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À prova de bala

Uma morte pacífica e o compromisso da Cave em chegar às expectativas dos fãs: DoDonPachi Dai-Ou-Jou.

A popularidade dos "shmups" no Japão não tem paralelo noutro ponto do globo. Embora a sua origem remonte a Spacewar, um "shoot'em up" criado pelo Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) em 1961, nos Estados Unidos, o primeiro arcade shooter foi criado em 1978 por Tomohiro Nishikado, um japonês da Taito Corporation. Foi o primeiro jogo do género aberto ao público e a permitir enviar desta para a pior legiões de aliens. The War of the Worlds, de H. G. Wells, providenciou inspiração a Nishikaido e mesmo com um jogo a preto e branco, os japoneses aderiram em massa à novidade, de tal modo que, de acordo com Brian Ashcraft, no livro Arcade Mania: the Turbo-Charged World of Japan's Game Centers, os japoneses trocavam uma arcade por uma "invader house". Por esta altura, o género comemora os seus 26 anos.

No começo da década de noventa o género ganhava uma nova vaga de títulos e as arcades ficavam carregadas com "shmups" coloridos e mais apetecíveis. Os jogadores eram seduzidos por um grafismo esfuziante. As naves espaciais que controlavam eram por vezes pequenos píxeis na tempestade, como uma abelha na chuva. Milhares de balas, como pontos coloridos, convergem na direcção da nave desdobrando-se numa luta desesperada pela sua sobrevivência. One ship army, assim pode ser classificada, atendendo ao imenso poder de fogo disponível, assim como às bombas que uma vez deflagradas limpavam todos os pontos brilhantes num ápice, mas isso só retardava por escassos segundos o inevitável, a explosão da nave e o ecrã de gameover, crivo de uma dificuldade acentuada.

A história do jogo acontece mil anos depois de DoDonPachi. A missão é quase suicida.

Depois, a meio da década de noventa, veio a especialização, muito por força das preferências dos japoneses. Produtoras como Cave e Treasure focaram-se naquilo que sabiam melhor: desenvolver "shmups". Em 1995 a Cave brindou os japoneses com um dos títulos mais importantes do seu portfólio: Don Pachi, um dos jogos que inaugurou o "subgénero" "bullet hell", tão japonês. Lançado nas arcades, o jogo viria a ser um dos primeiros títulos de sucesso e o impulsionador para um conjunto de sequelas que melhoraram as sólidas fundações. Com DoDonPachi como sequela e DoDonPachi II criado por um terceiro estúdio, o terceiro avanço na série coube à Cave, que recuperou a série lançando DoDonPachi Dai-Ou-Jou (DDOJ) nas arcades em 2002 e em 2003 na PlayStation 2, exclusivamente para os japoneses. Para muitos jogadores este título é conhecido como DoDonPachi 3. Curiosamente, Dai-Ou-Jou quer dizer revivalismo mas também morte pacífica.

Muito embora tenha sido lançada recentemente uma versão em formato IOS deste clássico, durante anos permaneceu como um título só possível de encontrar através da importação, o que lhe valeu de certa maneira um rótulo especial e uma posição de culto, dada a sua exclusiva ligação aos japoneses. E não obstante o sucesso alcançado no período de lançamento, com milhões de cópias vendidas, ainda hoje é um dos jogos mais procurados no Japão, assim como outros "shmups" lançados em plataformas domésticas como a versão Sega Saturn de Batsugun. A elevada procura, sobretudo pelos japoneses, mantém os preços significativamente altos e a tendência é para continuarem a subir.

Poderão escolher uma de três personagens as Element Doll, todas do sexo feminino: DFSD-010 Shotia, DFSD-014 Leinyan, FSD-002 Exy. Ao nome de cada uma acresce uma atribuição numérica, fruto da sua natureza artificial. No fundo são seres optimizados para retirar o máximo proveito das naves.

No Japão, a versão PlayStation 2 de DDOJ foi lançada com um poster alusivo às personagens centrais e que inspiram, enquanto arte, a composição da nave e efeitos dos disparos e ainda, não menos importante, um DVD com pontuações máximas dos jogadores japoneses e uma série de vídeos directamente capturados de algumas das melhores progressões. Não é algo regular no lançamento de um jogo, muito menos no ocidente, mas isto só vem reforçar a ideia do especial empenhamento e envolvimento dos japoneses neste "subgénero" tão nicho e radicado com grande profundidade nas arcades. Ainda há pouco tempo, alguém que conheço e que viajou ao Japão me contou que os "shmups" continuam a ocupar um espaço dominante nos maiores salões arcade.

DDOJ é um título importante neste quadro porque capta muito bem o género e oferece uma das melhores definições do conceito "bullet hell". E embora existam muitos jogos próximos e diferentes explorações, DDOJ é um dos títulos mais centrais e a partir do qual divergem outras produções.

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O fluxo de balas e progressão é de ordem vertical, aliás um pormenor curioso referente às arcades prende-se com a composição dos ecrãs destes jogos. Em vez de uma extensão ou prolongamento horizontal, o ecrã possui comprimento vertical, albergando assim mais espaço de acordo com a progressão da nave. Na versão PS2 existe uma opção que permite rodar a imagem, de encontro ao efeito vertical. Se puderem rodar o vosso televisor, terão uma experiência visual muito mais fidedigna e cómoda.

Outra curiosidade de DDOJ tem que ver com a limitação de danos causados na nave, uma pequena excepção à regra. Apenas a parte do "cockpit" pode ser alvejada, o que significa que naquele fogo de balas é possível manter o aparelho em funções por mais algum tempo. Os inimigos no entanto libertam doses massivas de balas e não tarda até o ecrã ficar saturado de pontos minúsculos que tendem a manter-se mesmo quando recorremos aos disparos (pressionar um botão) e ao laser (pressionar continuamente), neste caso através de um raio constante. Os efeitos visuais são impressionantes, não apenas pela fluidez e diferentes cores que se enlaçam como correntes de água de diferentes cores mas também pelas múltiplas explosões que deflagram um pouco por todo o ecrã.

Uma guerra de máquinas contra máquinas.

Embora o jogo possua apenas dois tipos de naves, que diferem unicamente pela concentração e dispersão dos disparos, e três pilotos que proporcionam diferentes composições de disparos e velocidades, alargando a estratégia para cada nível, é pelo sistema de combos e multiplicador de pontos que se investe em força, tendo em vista a melhor pontuação, apurada após uma árdua batalha contra o tradicional "boss" de fim de nível. Se o jogador atingir um inimigo e mais outro dentro de um tempo inferior a meio segundo, os pontos multiplicam-se e o medidor de combinações vai ficando preenchido, contribuindo para uma pontuação final mais favorável.

Como acontece noutros "shmups", paciência, perícia e memorização são os condimentos do sucesso. Já que os inimigos tomam o mesmo trajecto e a propagação dos disparos é a mesma, os ataques antecipados e preventivos retiram as principais ameaças. Os melhores resultados chegam depois de uma boa memorização dos níveis. E embora seja um desafio dos mais exigentes, o modo Free Play, com os seus créditos infinitos, é quase como um alívio e sinal de garantia de conclusão para os jogadores menos persistentes. A opção entre escolher os créditos ilimitados ou fixos depende de cada um, sendo algo perfeitamente aceitável atendendo ao desafio quase insano. O jogo oferece ainda mais dos modos, o Score Attack e o permissivo No Bullets (os bosses não disparam).

A versão PlayStation 2 de DoDonPachi Dai-Ou-Jou.

A especialização da Cave nos "shmups" trouxe resultados e este DoDonPachi 3 reflecte o bom andamento da produtora dentro de um género abundante em opções para uma audiência muito peculiar. No ocidente não há a mesma procura, até porque os "shmups" são tradicionalmente difíceis e requerem um compromisso muito grande, apesar do culto que grassa em seu torno. No Japão a procura é constante e sustentada, especialmente em torno destes clássicos, não apenas por um revivalismo da origem de um subgénero mas também pela existência de desafios sólidos e pontuações máximas perpetuadas na memória de uma arcade.

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