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Zelda: Tears of the Kingdom e a arte de aguçar a curiosidade

Impossível jogar em linha reta.

Antes de começar a professar o quão rendido estou a The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, tenho de fazer a óbvia, mas ainda assim necessária nota que muito do que vou escrever pode ser aplicado a Breath of the Wild. Dito isto, acredito que Tears of the Kingdom é uma versão muito mais refinada e bem conseguida de todos os valores pretendidos para esse aclamado jogo.

Gostei quanto baste da aventura de mistério e exploração de Link em mundo aberto, ao ponto de jogar mais de 80 horas, mas não fiquei perdido de paixão pelo jogo como o resto do mundo. No entanto, com apenas 15 horas na sequela, sinto que já fez por mim o que o anterior não conseguiu e acredito que isso está relacionado com as três camadas do mundo de jogo, as habilidades e o optimizar de todo o design do Breath of the Wild.

Em quase 15 horas não consigo fazer nada sem me desviar o objetivo que estabeleci. Traço um objetivo e olho para o horizonte para me focar visualmente nele, mas inevitavelmente dou por mim a desviar-me do caminho para ir ver um ponto de interesse. Multiplica isto pelas ilhas no céu e o subsolo e é impossível não dar asas à curiosidade. Mas o que faz de Zelda: Tears of the Kingdom um diamante raro, é que jamais sentes que estás a perder tempo, pelo contrário, cada desvio é uma oportunidade para um inesperado momento de ouro que te deixará a sorrir como raros jogos conseguem atualmente.

Existem mundos abertos de todo o estilo, em várias eras da história, com qualidade gráfica realista e uma forte imersão, onde facilmente me foco na narrativa e sigo sempre em busca de uma nova cutscene, com ocasionais desvios. No entanto, onde acredito residir o maior trunfo desta equipa da Nintendo é na forma como não inclui rédeas para controlar a experiência, fazendo da curiosidade o seu maior valor. Não olho para Breath of the Wild como um jogo que revolucionou pela introdução de um novo conceito, mas sim pelo método e abordagem a conceitos existentes (a liberdade e exploração em mundos abertos).

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Numa indústria obcecada em guiar o jogador, com medo que não consiga focar-se 15 segundos no ecrã, a Nintendo decidiu deslumbrar com o engenho do seu design e é tudo tão minucioso que jamais poderá ser encarado como fruto do acaso. Não, isto é propositado, meticulosamente desenhado para agarrar o jogador. À enorme sensação de liberdade, juntaram o cada vez mais famoso conceito de "gameplay emergente" (aquela sensacional ideia de que a qualquer momento acontece algo inesperado que origina um efeito de surpresa e a sensação que o jogo ganha vida), e tornou-se num colosso.

Desde as primeiras horas no tutorial na enorme ilha no céu, onde Link ganha as primeiras habilidades e descobres as novas bases do gameplay, Zelda: Tears of the Kingdom provou que é um monstro de uma escala superior e mostrou-me rapidamente que a sequela é tudo o que eu desejava que o anterior fosse. É igualmente um jogo de incrível liberdade, com o gameplay emergente a assumir contornos ainda mais espetaculares, e um design que puxa ainda mais pela tua curiosidade. Diria que é mesmo impossível jogar Zelda: Tears of the Kingdom em linha reta e somente focado na narrativa.

Após o tutorial, Link chega à superfície de Hyrule e rapidamente encontra faces familiares. Através de umas missões rápidas, ficas pronto para explorar Hyrule e é percetível o esforço da equipa em melhorar tudo o que está relacionado com a narrativa. Após as ilhas no céu, passas pela superfície e mesmo num jogo sem ordem específica, tens uma expansão do tutorial que te leva ao subsolo. São três espaços que expandem o conceito do gameplay de exploração e constantes surpresas, com uma escala inimaginável.

Ao tentar chegar ao local da missão, para me levar ao subsolo, reparei que uma estrela cadente estava a cair e persegui-a, pelo caminho vi mais uma Shrine para completar e no entretanto vi mais uma torre rodeada de holofotes para mapear uma nova área. Além disso, vi pedras a cair do céu e a sua posição sugeriam que ao usar a habilidade de recuar o tempo, podia chegar à nova ilha no céu. De repente, chegar ao local da missão estava numa terceira posição na ordem de atividades que estava a planear e tudo sem qualquer stress. Pelo contrário, total diversão, sorriso na face, a tentar absorver o quão empolgante são todas estas surpresas que surgem para transmitir a sensação de um mundo incrivelmente dinâmico, que parece mesmo ganhar vida.

Traça como objetivo chegar a uma daquelas torres lá ao fundo e delicia-te com as surpresas e desvios que efetuas de forma dinâmica e divertida.

Noutro momento, mais um entre os inúmeros exemplos de gameplay dinâmico que aguça de forma genial a curiosidade, pretendia chegar a uma aldeia para melhorar o tablet de Link, mas pelo caminho vi uma nova torre, mas a porta estava barrada. Ao usar uma rocha para chegar aos céus, atirei-me e cheguei lá dentro. Lá dentro, consegui voltar aos céus para mapear essa área. No meio deste processo, vi mais um daqueles enormes símbolos onde estão os itens que te permitem ver o que está a acontecer com a Princesa Zelda. Quando dei por ela, no caminho até Hateno, os desvios já eram tantos que tive de usar a Viagem Rápida e voltar à torre para traçar uma nova rota.

Além da mestria ostentada pelo conceito do gameplay emergente, que combina bem com esta nova abordagem "Minecraft of Zelda", o design visual que te permite facilmente identificar novos pontos de interesse e a sensação que estás constantemente a "tropeçar" numa surpresa que muda a tua rota, são formas de perceber o quão genial é o trabalho desta equipa da Nintendo. O aguçar da curiosidade é feito com os diversos elementos visuais coloridos que te indicam locais de interesse, mas é a sintonia entre essa componente visual, o design do mapa e as constantes surpresas que tornam Zelda: Tears of the Kingdom numa experiência de uma dinâmica rara de ver.

Juntas a isto um refinamento do sistema de quebra de armas, não se partem tão facilmente e existem armas por todo o lado (também podes criar armas mais fortes ou novas com os poderes de Link), um design menos focado no consumo de vigor e o gameplay pensado para despertar a tua curiosidade, é glorificado de uma forma que o anterior não conseguiu. A arte de despertar a curiosidade no jogador é do mais difícil que pode haver, pois é preciso muito mais do que engenho no design visual, é um triângulo de qualidades que devem coexistir em sintonia. Com o design de ilhas no céu, superfície e subsolo, Zelda: Tears of the Kingdom expande a escala do original para glorificar o seu conceito principal.

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