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Under the Waves - Alucinações no fundo do oceano.

Azul profundo.

Image credit: Paralell Studio/Quantic Dream
Dilemas pessoais acabam por se sobrepor aos deveres profissionais. Uma aventura vivida em profundidade, com algumas limitações técnicas mas capaz de agarrar o jogador até ao fim.

Fundada por David Cage e produtora de jogos como The Nomad Soul, Fahrenheit, Heavy Rain e Beyond: Two Souls, a francesa Quantic Dream ocupa um espaço primordial no quadro das aventuras e narrativas com destacadas componentes audio e cinematográfica. Para lá deste apartado que visa sobretudo o resfolgar das emoções, são também jogos que procuram aprofundar as relações entre seres humanos, por vezes com o mundo que habitam. Neles confluem sonhos e pesadelos, numa dimensão sobrenatural a querer contar algo mais, mas também há espaço para as rotinas diárias, as operações de um tipo de actividade capaz de acalentar a interacção e manter o jogador ligado a alguma tarefa.

Under the Waves enquadra-se nesses moldes. Produzido pelo francês Paralell Studio e publicado pela Quantic Dreams, bebe muitas das influências da sua editora. O fundo do oceano, dotado de condições mínimas para alojar temporariamente um ser humano entrege à manutenção de aparelhos e cabos de vária ordem, pode ser um local perfeito para desenvolver uma narrativa. Atar ao plano profissional uma dimensão familiar ou um qualquer resquício de trauma ou sentimento a erradicar naquelas profundezas, acaba por lhes dar ainda mais eco, especialmente quando o mundo do sonho e o sobrenatural aparecem no sono e nas tarefas diárias.

Image credit: Quantic Dream

Não é um jogo pródigo em grandes valores. Tecnicamente estamos perante uma produção que deixa identificar facilmente os seus limites, especialmente se jogado numa plataforma recente, como a PlayStation 5. Ocorrem pequenas deficiências ao nível do contacto com as coisas no fundo do mar e quando há um avolumar de objectos a frame rate tende a ressentir-se. Ainda assim há uma produção assinalável de coisas no fundo do mar, com o seu fundo irregular e montanhoso a servir de pequenos esconderijos e locais mais recônditos. Grande parte dos objectos passíveis de interacção são assinalados a curta distância, com uma identificação imediata e o mesmo acontece com as missões ao ponto de colocar um fio condutor e linear no avanço. Enquadradas numa espécie de tarefas de manutenção dos aparelhos ali colocados, as missões regulares somam-se aos imprevistos, ao que acontece à superfície das ondas, como o cargueiro que deixa cair os contentores ao mar.

Exploração em jeito de mundo aberto

O fundo do mar é esse local retratado na literatura de ficção científica, por intermédio de Júlio Verne, e de um punhado de jogos que o exploraram, como Abzu ou Endless Ocean. O tónico em Under the Waves é mesmo a exploração. A acção decorre no Mar do Norte e o jogador veste o fato de um mergulhador chamado Stanley. É uma jornada a solo e solitária, ainda que haja ligação por rádio com a UniTrench, responsável pela exploração do fundo do mar e extracção de petróleo. A actividade do mergulhador insere-se numa série de rotinas. Para tal dispõe de um pequeno submarino chamado Moon, capaz de o transportar a qualquer sítio do fundo sem grandes dificuldades.

A estação onde repousa é subaquática. Dispõe de um quarto e um pequeno espaço de repouso, bem como uma zona onde armazena bens necessários à exploração e uma pequena mesa de construção de objectos. Desde kits de reparação a bombas de ar feitos a partir de plásticos e organismos gerados no fundo do mar, é possível fabricar alguns objectos cruciais para a manutenção da vida naquelas condições. Até uma máquina fotográfica é facultada com o objectivo de tirar fotografias aos monstros e grandes cetáceos que por ali passam.

Image credit: Quantic Dream

Nas tarefas de rotina, Under the Waves opera dentro da normalidade e do que se pode apelidar de padrão de entretenimento. O jogador coloca a pressão ideal de exigénio regulando os cilindros de operação. Promove a limpeza do fundo do oceano ao recolher peças de metal e plástico. Identifica um conjunto de contentores. Tudo missões de rotina. A melhor fase, porém, acontece quando Stanley se afasta das tarefas de manutenção e persegue alguns sinais misterioros, como acontece quando penetra num submarino afundado nas profundezas, corroído, perseguindo a luz ofuscante de uma medusa.

Alucinações, sonhos e pesadelos

Os contactos que Stanley mantém através do exterior, pela empresa que ali opera e também pela sua exposa, inicialmente reportam-se a questões relativamente triviais, tanto a nível empresarial como pessoal. Mas à medida que os dias em profundidade se acumulam e enxertam num só segmento, o mergulhador é afectado cada vez mais por visões, sonhos e pesadelos. O fio narrativo chega a novos contornos, especialmente o drama familiar que atinge o protagonista e como se tentou livrar dele optando por aquele trabalho. Descobre que só serviu para o agudizar.

Por outro lado, o protagonista questiona também os motivos da empresa, quando se apercebe que muitas incursões e boa parte da sua actividade afectam o ecossistema. A aventura não é grande e num conjunto de poucas horas é suficiente para preencher com sucesso alguns intentos a que é candidata, principalmente a sensação de isolamento e solidão do fundo do oceano.

Image credit: Quantic Dream

A banda sonora, da autoria de Nicolas Bredin, é notável. Graças a melodias que ecoam em momentos centrais da narrativa, cimenta ainda mais essa sensação de isolamento, uma total imersão levada pelos acontecimentos invulgares experimentados pelo protagonista. Há fases de algum sufoco e tensão quando o ar rareia nas garrafas de oxigénio e, para lá do cumprimento da missão, está em risco a vida da personagem. Não é que a dificuldade seja elevada. Alguns descuidos são suficientes para perder ali a vida e ter de repetir algumas secções, mas não se pode dizer que haja falta de interesse em prosseguir.

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Mesmo não sendo um jogo de grande orçamento, apresente modestos valores e se mencionem alguns reparos nos marcadores e na forma como é apresentado o mapa do fundo do oceano, é um jogo que compele pelo fio condutor da narrativa e por potenciar a dimensão humana e o dilema que habita sobre o protagonista. Pese embora as limitações, há algumas sobreposições de camadas de azul realmente admiráveis. Os movimentos da personagem, a nadar e a operar máquinas e aparelhos são também bastante realistas, denotando uma boa física. Under the Waves consegue, apesar das suas falhas e algum serviço de ocupação rotineiro e previsível, deixar uma óptima impressão quando avança para momentos de exploração que adensam o mistério. Talvez seja ultrapassado por outras narrativas e por diferentes modelos de interacção. Mas boa parte do que propõe é apelativo e também para quem joga proporciona essa sensação de isolamento. Gere sensações e também é isso que se pede a um jogo com uma forte componente narrativa e cinematográfica.

Prós: Contras:
  • Narrativa bem construída
  • Reprodução do fundo do oceano
  • Sensação de isolamento
  • Alucinações do protagonista
  • Gradação de cores
  • Banda sonora
  • Não é uma narrativa longa
  • Algumas dificuldades na detecção dos movimentos
  • Ocasionais quebras de frame rate
  • Alguns erros na gravação automática

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