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Tearaway - Análise

A viagem é a mensagem.

O que é um videojogo? Para que serve um videojogo e existirá alguma mensagem por detrás desse videojogo? Será um videojogo capaz de transmitir emoções, de incutir ideias no seu público ou até elevar intelectualmente os seus produtores? Será que um videojogo enquanto forma de entretenimento estará "condenado" a ser apenas e somente isso, divertir e entreter? Depois de ter jogado a versão de antevisão de Tearaway, que me preencheu as medidas, fiquei com estas perguntas na cabeça quando me preparava para abordar o jogo completo.

A ideia que guardava comigo era que o Media Molecule, tal como em LittleBigPlanet, pretendia aqui aliar estilo e poder intelectual para com sagacidade alcançar toda uma geração de jogadores à espera de participar na criação de um novo marco histórico. E a verdade é que Tearaway parece ter mesmo boas respostas para estas perguntas, vangloriando os seus criadores e os seus jogadores sendo algo mais do que diversão casual para ostentar mensagem e personalidade.

Tearaway é possivelmente um dos jogos mais simples que já joguei e ao mesmo tempo um dos mais tocantes e fofos. Tudo propositado e delineado para tal, com um apelo estético e visual único combinados com uma gameplay simples mas que foca todos os principais condimentos da Vita de uma forma não conseguida anteriormente. Pelo menos desta forma não. A sensação que Tearaway deixa é que LBP serviu como fundação, cresceu sobre si mesmo e ainda piscou o olho a algumas séries bem conhecidas dos amantes das aventuras e plataformas. No entanto, o jogo do "encontra as influências" é bem menos importante que o talento do Media Molecule que parece ser bem mais influente e preponderante neste produto.

No entanto, antes de pegar na versão final, as preocupações que ficaram estavam relacionadas com a longevidade, com a dificuldade, com a ideia de uma gameplay simples, por muito eficaz que parecesse ser, e com a sensação que Tearaway poderia ser um jogo destinado aos mais pequenos. Foram estes os principais pontos que pretendi abordar ao longo desta jornada para tentar encontrar as respostas e descobrir se todo aquele apelo e charme eram mesmo reais.

Desde logo posso dizer que Tearaway é divertido, muito até. Iota e Atoi (Iota e Atoi são o mesmo nome mas ao inverso) são dois mensageiros que tem a missão de entregar uma mensagem a uma criatura superior que vive num outro mundo, no nosso. Desde logo fica a ideia que o estúdio tenta brincar com o conceito de realidades separadas que se unem através do jogador e o seu contacto com o jogo. Isto serve como mote para o uso das capacidades de Realidade Aumentada em momentos específicos de gameplay mas também é um interessante exercício na forma como encaramos os videojogos. Afinal de contas o jogador está a entrar noutro mundo e a interagir com realidades e sentimentos variados.

A jornada destes dois personagens será feita numa estrutura de plataformas simples, evoluindo as mecânicas de LBP nestes segmentos. As ações que podemos realizar são básicas até e vamos desbloqueando novas como saltar ou rebolar para conquistar mecanismos que nos permitam progredir pelos cenários ou até aceder a partes que de outra forma não lá poderíamos chegar. Tearaway está longe de ser um jogo difícil, de forma alguma, e esta é uma das suas principais debilidades, e a simplicidade das mecânicas de jogo podem reforçar essa sensação e tirar-lhe mérito. Por muito entretido que esteja o jogador a vibrar com o mundo e a deixar-se envolver pela aventura, se a forma como progride pelos cenários for demasiado simples, a magia vai-se diluindo e passa a ser o jogador a decidir até que ponto a balança é equilibrada./p>

De um momento para o outro, Tearaway torna-se num jogo lindo de ver, com personagens fofinhas e queridas num mundo povoado por adoráveis criaturas que nos vai arrebatando a cada nova zona mas com uma interação extremamente simples e fortemente linear. Aqui entra em ação o papel do Media Molecule e a PlayStation Vita. Enquanto os controlos tradicionais controlam Iota ou Atoi, os controlos táteis frontais e traseiros, e o giroscópio controlam o mundo em seu redor. Representando o papel do jogador que de outra realidade intervém num novo mundo.

É uma homenagem ao jogador em si e ao seu papel nesta indústria, quase como se o estúdio dissesse o que todos sabemos, um sem o outro não funcionam, de um lado o estúdio e do outro a sua comunidade. Eis então que a gameplay se torna interessante, singular e envolvente. A combinação dos dois esquemas de controlo em simultâneo para progredir e alterar o mundo, dá a ideia que as duas vertentes diferentes de LBP se uniram numa só e a causa e consequência de um mundo dinâmico que se vai alterando diante dos nossos olhos em tempo real só poderia existir graças a uma plataforma tão específica quanto a PlayStation Vita.

O principal problema de Tearaway é não querer desafiar o jogador e de apenas o convidar a seguir uma jornada de encanto e emoção quando poderia facilmente combinar os dois. A sensação fica reforçada quando nas fases mais avançadas todo o engenho e destreza do estúdio é glorificado no design de níveis e o jogador desafiado a valer. Os níveis ficam mais difíceis, exigem maior coordenação motora e revelam ser fruto de pensamento cuidado e inteligente. O jogador fica valorizado, perde mais vezes mas conhece desafios de ritmo e plataforma mais envolventes que por sua vez reforçam a personalidade do jogo.

Comparativamente, os níveis iniciais até meio do jogo sentem-se demasiado simples e desprovidos de qualquer desafio, ficando no ar a sensação que o jogo é mesmo para os mais pequenos. Seria desejável um maior equilíbrio para tornar a gameplay ainda mais profunda. Isso chega em parte com o recurso aos esquemas alternativos de interação possíveis graças ao toque (para saltar por plataformas e para derrotar os terríveis retalhos que nos querem destruir) e para modificar o mundo para progredir.

Esses combates são também eles simples e apesar de diferentes inimigos, a sensação é que não tem qualquer desafio e servem apenas para apresentar momentos de boa disposição e para aumentar a longevidade. Onde encontramos grande profundidade é na forma como podemos personalizar os mensageiros, incrivelmente original e novamente uma forma de elevar a Vita a estatutos singulares. Num mundo de papel, o jogador pode desenhar e recortar formas que se tornam em adereços e até em itens do mundo que modificam a aparência dos cenários (em pequena ou larga escala).

Existe uma mensagem a entregar e muita criatividade no seu trajeto.

Único, colorido, fofinho e inspirador. Assim diria que é Tearaway a nível visual pois aqui temos algo verdadeiramente singular e original. Um mundo de papel extremamente colorido que apresenta vários cenários, todos eles diferentes e repletos de personalidade. Quase como se fossem um conto para crianças no qual todas as passagens nos mergulham em sensações de mistério e curiosidade, para serem deixadas com nostalgia e saudade. Desde florestas repletas de verde, passando por montanhas banhadas pela neve a escuros lagos e cidades costeiras, Tearaway parece fruto de uma equipa que passou bastante tempo a ler histórias de embalar e contos folclore.

A forma como o mundo se molda à nossa volta, a forma como as físicas recriam de forma convincente o que esperaríamos ser caso vivêssemos num mundo de papel e todo o comportamento de Iota ou Atoi deixam o jogador rendido e entregue à experiência. Existem várias passagens que poderia referir mas não ousaria estragar a surpresa. São momentos que vão ficar e este ano, esta geração, apenas uma mão de jogos me deixou com um sentimento tão nostálgico e saudoso ao me lembrar dos locais por onde passei. Tearaway começa tímido para crescer em algo focado e firme.

De extrema importância volta a ser o papel da Sony Computer Entertainment Portugal que localizou para Português todas as legendas de Tearaway e apresenta personagens com vozes em Português. Apenas duas ou três falam na verdade mas tudo isto ajuda imenso a alargar o público alvo do jogo e quando a sua dificuldade e forma de progressão parecem desenhados mais para apelar aos jogadores jovens, este elemento torna-se imperativo. Tudo complementado por uma curiosa e característica banda sonora que tenta captar um tom folclore, tal como na narrativa.

A soma dos seus triunfos ultrapassa em muito o conjunto das suas debilidades, mas elas existem de qualquer das formas. Por exemplo, a câmara, nas fases em que é controlada pelo jogo em si e não pelo jogador, pode tornar-se incómoda e existe a tendência a rectificar em vão. São pequenos pontos que face ao todo perdem preponderância mas ainda assim existem e danificam a qualidade, talvez mesquinhice mesmo. Por outro lado, Tearaway pode ser uma aventura fantástica do início ao fim mas esse fim não demora muito. Um jogador empenhado e focado poderá terminar o jogo bem rápido, sem precisar de pressas para tal. Calma para explorar tudo poderá recompensar mas ainda assim temos jogo para 5 a 7 horas. Na minha caminhada pelo vale do mundo encantado demorei cerca de 6 horas para reunir um pouco mais de 70% do total de percentagem do jogo.

No entanto, aqui o que está em causa é a qualidade dessa jornada, dessa caminhada até entregar a mensagem e não o tempo que se demora a chegar lá. O final poderá surgir mais rápido do que se pensa mas pensando em cada passo e em cada local visitado, ficamos sem quaisquer dúvida rendidos à ideia que cada segundo valeu a pena. No entanto, a nota fica dada, nem todos serão tão benevolentes quanto à longevidade relativamente curta, especialmente porque não existem verdadeiros incentivos a continuar a jogar, exceto a nostalgia pela aventura quando esta termina ou para os que querem completar tudo e obter todos os troféus.

Tearaway é, até este momento, simplesmente um dos melhores jogos para a PlayStation Vita e a melhor demonstração das suas capacidades no contexto de um videojogo. É o seu expoente máximo na atualidade, um produto digno de louvor independente da plataforma. É um pequeno grande feito de engenho e criatividade que o estúdio Media Molecule conseguiu, que apesar de algumas falhas é um produto de excelente qualidade que vai figurar entre os melhores. Façam um favor a vocês próprios, comprem Tearaway. A vossa Vita precisa dele, vocês precisam dele.

8 / 10

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Tearaway

PlayStation Vita

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Bruno Galvão

Redator

O Bruno tem um gosto requintado. Para ele os videojogos são mais que um entretenimento e gosta de discutir sobre formas e arte. Para além disso consome tudo que seja Japonês, principalmente JRPG. Nós só agradecemos.

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