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Submerged - Análise

Tocante e tedioso.

O impacto emocional dura pouco, o encanto visual nem chega a assentar. Submerged fica ali perdido, no meio de tudo sem ser nada.

Há muito que a criatividade artística deixou de estar barrada pelas limitações da tecnologia. O imaginário de um criativo é uma poça num infinito mar de ideias no qual todos os estúdios navegam para encontrar preciosos traços de inspiração que possam de alguma forma estender-se muito mais além do que o alcance físico permite. A era em que as máquinas impediam o criativo de expor em pleno a sua ideia, sempre pontapeados pelas minuciosidades dos equipamentos e dos aspectos técnicos, parece estar já longe e agora, até mesmo a audiência, se parece focar cada vez mais no valor da experiência em si. O jogador parece entender que há espaço para todo o tipo de imaginários e que nem ganhamos assim tanto numa postura matemática de "resolução x + rácio de fotogramas Y = a resultado A". Acredito que agora vivemos numa era em que podemos sonhar juntos, os criativos, os programadores e os jogadores.

Existe muito mais num videojogo do que o simples aspecto técnico, existe aquilo a que se poderia chamar quase de alma. É algo que acredito que muitos directores criativos conseguem transmitir de gloriosa forma quando os seus produtos são aclamados pela eternidade fora. Quando aquele turbilhão de ideias é apresentado da forma que o criativo visionou, sem as máquinas conspirarem para o tramar, poderá fazer eco no espírito dos jogadores que são expostos aos seus esforços e assim criarem laços que perduram graças ao poder emocional e intelectual que dele pode advir. Ainda assim, não nos podemos esquecer que um videojogo é um produto de entretenimento e terá que responder a conceitos muito específicos. Confesso que um dos maiores prazeres é descobrir como um estúdio tenta ir mais além na forma como trata o seu produto sem se esquecer que terá que agarrar os jogadores de uma maneira que eles acreditem que não mais podem viver sem aquele jogo.

O que é que isto tudo tem haver com Submerged? O mais recente jogo do Uppercut Games é o mais recente exemplo de como um criativo não mais limitado pela tecnologia poderá estar limitado pela compreensão que enverga sobre a sua própria imaginação. Submerged, vindo de um estúdio que conta com dois jogos mobile engraçados, Epoch e sequela, é um exemplo de como ter todas as ferramentas tecnológicas nesta era em que não mais amarram o barco, não evita que este não consiga navegar com o esplendor que deveria. Submerged é um exemplo de como uma jornada emocional, uma envolvente narrativa e uma estrondosa apresentação não chegam, é preciso divertir o jogador e respeitá-lo dizendo-lhe que se está a divertir.

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Confesso que ocasionalmente me sinto um pseudo-intelectual que nem precisa de ir buscar alimento a mais nenhuma outra forma de entretenimento ou arte. Um videojogo pode ser de tal forma poderoso que pela soma das suas partes nos enriquece tanto que se torna muito mais do que um videojogo, torna-se num exemplo e inspiração na nossa vida. Não era isso que se pedia a Submerged mas enquanto ia sendo timidamente apresentado ao longo dos meses, ficou implícita a ideia que seria uma poderosa jornada emocional, focada em dois jovens perdidos no meio de um mundo cujas adversidades eram incrivelmente exageradas para criaturas tão pequenas e sozinhas enfrentarem. Num mundo pós-apocalíptico, em que a água invadiu os arranha-céus que a humanidade construiu, dois irmãos ficam perdidos à sua sorte e a rapariga terá que explorar uma cidade em ruínas para o salvar.

O Uppercut Games descreve-o como um jogo na terceira pessoa livre de combate e isto será algo que rapidamente vos irá surpreender. Numa indústria em que até os inocentes envergam armas de fogo, esta rapariga terá que curar as feridas do seu irmão sem recurso a qualquer arma e sem quaisquer inimigos que a atacam. Afinal de contas estão perdidos numa cidade abandonada. Por entre as correntes que passam ao lado dos gigantes edifícios submersos, vamos explorar a bela devastação que deixou para trás uma cidade por mais assustadora ou hostil que possa parecer, não deixa de encantar.

Na teoria, no tal imaginário do criativo que procurou as melhores ferramentas para não encolher a sua obra, Submerged funciona e o mais incrível é que qualquer um de nós vai imaginar Submerged a funcionar. Na prática, Submerged é um jogo que não soube usar as ferramentas que lhe foram concedidas e não conseguiu impedir que a sua relativa inexperiência viesse ao de cima por muito que a tentassem deixar imerso na água. Quando temos um jogo que recorre ao Unreal Engine 4, esperamos que nos surpreende graficamente e apesar de o fazer espaçadamente, Submerged vai-nos deixar confusos muito mais do que deveria devido à qualidade inconstante dos visuais.

"Submerged vai-nos deixar confusos muito mais do que deveria devido à qualidade inconstante dos visuais."

Os efeitos de iluminação, o brilho, os reflexos, algumas texturas e parte dos personagens são elementos visuais de incrível luxo que mostram bem como este recente motor poderá fazer por esta geração o que o anterior fez pelas consolas anteriores. Parte da jornada emocional e dramática de Submerged será feita à boleia do Unreal Engine 4, pela forma como apresenta vistas e cores incríveis, mas também será pelo outro lado. Frequentemente fiquei a pensar como seria possível que o mesmo jogo me desse aquelas texturas horríveis ou um design de níveis tão fraco quando pelo outro me dava momentos de fotografar (existe a possibilidade no jogo). Até que percebi que quando estamos no barco a navegar embalados pelas ondas, Submerged consegue ser incrível, consegue ser inspirador, mas quando começamos a escalar prédios para encontrar mantimentos para sobreviver, então o jogo perde incrivelmente o seu fulgor.

Mais grave do que isso. Rapidamente percebi que Submerged não é um jogo divertido. É um jogo que fica ali numa perigosa linha entre o interessante e o nem vale a pena. As secções em que escalamos os edifícios e os percorremos para encontrar segredos sobre a cidade ou a civilização, em que subimos por janelas ou ervas que cresceram nas fachadas de outrora imponentes edifícios públicos, são chatas, repetitivas e os únicos momentos gratificantes foram quando rodava a câmara para procurar os já fantásticos detalhes apresentados pelo Unreal Engine 4. De resto, o único interesse estava em navegar nas ondas debaixo do incrível efeito do luar.

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Sempre que pegava no barco ficava encantado a explorar as vistas e a procurar ângulos cinematográficos patrocinados pelo motor de jogo mas quando começavam as secções fora do barco sentia logo pânico e aborrecimento. A ideia e o conceito foram bem explorados mas aqui não foram as limitações tecnológicas que o impediram de chegar mais além. Estão aqui os traços de grandiosidade mas algo o atira para baixo. Após algum tempo com o jogo começava a perder o interesse e rapidamente queria deixar de o jogar, o completo oposto daquilo que um produto de entretenimento deve causar nos jogadores. Ainda assim, sentia que o ritmo de jogo, que a própria forma como está estruturado e a forma como foram implementadas algumas mecânicas de jogo e controlo do personagem são simplesmente horríveis.

Submerged procurou emocionar os jogadores com um drama cruel e altamente humano. Basta pensar no desespero da rapariga para salvar o seu irmão quando estão perdidos numa cidade devastada. Poderia descrever a experiência criada pelo Uppercut Games como um adorável tédio pois apesar do tom dramático que inicialmente pode envergar, facilmente percebemos que é a repetitiva melodia tocada ao piano que tudo faz para, de forma quase exagerada, nos relembrar da frágil condição em que esta dupla se encontra. Mesmo quando vamos tendo pequenos vislumbres do que pode ser uma evolução narrativa, Submerged não consegue a momento algum desenrolar em pleno o que tem de bom para se deixar ser manchado pelo tédio.

"O gameplay deveria ser mais divertido, deveria ser mais fluído, mais dinâmico."

O criativo apresentou uma ideia mas alguém não a soube transformar como deveria. As ferramentas estavam lá e ao contrário de outrora, não foi limitado pelo equipamento, talvez sim pela sua inexperiência e compreensão do que um videojogo deve ser. Acima de tudo, Submerged combina aborrecimento com inconsistência. Os visuais não são consistentes a tempo inteiro, tanto nos dão momentos fotográficos incríveis como nos insultam com texturas e locais horríveis, o enredo é leve e tocante mas sem o interesse que deveria ter, o gameplay é agradável a barco mas altamente aborrecido fora dele, e no final do dia ficamos com um drama emocional que nem sequer é assim tão tocante quanto isso.

Submerged fica assim, ali no meio de uma perigosa linha a cambalear. De um lado com intenções de ser tudo o que poderia ser mas do outro lado a perdição de não ser nada. Felizmente, ou infelizmente como preferirem, consegue ter forças para se aguentar no meio e não cair para nenhum dos lados. Não é uma desgraça total porque tem alguns méritos interessantes que só mesmo alguns valentes curiosos terão capacidade para arriscar e conhecer mas também não é aquele produto que inicialmente nos levam a acreditar que poderia ser. Aquela jornada humana intensa e emocional, com capacidade para se elevar acima do mero produto de entretenimento, fica irremediavelmente manchada por não saber ser primeiro um jogo antes de alimentar a alma e o coração.

O gameplay deveria ser mais divertido, deveria ser mais fluído, mais dinâmico. Não é preciso mostrar que a rapariga é frágil fazendo com que se sinta como um tanque quando a controlamos. Não é preciso repetir a mesma melodia no piano como se quisessem furar os tímpanos para mostrar que têm alma. Não é preciso arrasar com o sistema de iluminação para depois nos dar um design muito fraco nos níveis escalados. É preciso pegar nessa ousadia de quem quer ser mais do que entretenimento, respeitar a quem se dirige primeiramente a experiência e depois sim, deliciar requintadas almas com sumptuosas narrativas de fragilidade humana e arte de sobrevivência como se de um arte se tratasse.

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Submerged

PS4, Xbox One, PC

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Bruno Galvão avatar

Bruno Galvão

Redator

O Bruno tem um gosto requintado. Para ele os videojogos são mais que um entretenimento e gosta de discutir sobre formas e arte. Para além disso consome tudo que seja Japonês, principalmente JRPG. Nós só agradecemos.
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