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Splatoon - o triunfo da nova geração da Nintendo

O desenvolvimento de novas ip's passará muito pelos jovens produtores.

Imaginem que podem cobrir o sítio mais louco e incrível com tinta e que essa mesma tinta é não apenas a munição mas a condição de vitória, atendendo à proporção de área coberta. Com a tinta conquistam território, repelem o avanço do adversário e ainda podem mergulhar nela encontrando uma espécie de refúgio, posição defensiva e privilegiada ou então um veio molhado do género que o salmão toma até chegar ao mar. Só que em vez de um salmão, o jogador é uma lula, ou melhor, um humano que se transforma em lula, a personagem e imagem de marca de Inkopolis, o epicentro de Splatoon, a nova propriedade intelectual da Nintendo, publicada no nosso território e por todo o mundo no fim da outra semana.

Splatoon é o jogo do momento da Nintendo, um ponto alto em criatividade, justamente porque assistimos a algo pouco usual numa companhia que nos habituou a padrões de qualidade dentro de uma margem de tradição e renovação das suas valiosas séries. Splatoon é a Nintendo fora da sua zona de conforto e dentro do competitivo e deveras ocidentalizado universo dos shooters, onde a competição se faz com homens duros, suados, incrivelmente realistas, sujos e envolvidos em guerras, mas simultaneamente, é a Nintendo a realizar um dos passos mais sustentados em termos de criatividade, a lançar as bases sólidas de uma série, seguindo uma visão genuína e que não pretende ser um copy/paste de uma outra realidade virtual ou aderir apenas a uma moda.

Ainda na fase protótipo os produtores consideraram a utilização de coelhos como personagens, mas optaram por abandonar a ideia e criar novas personagens, baseadas em lulas.

A Nintendo Wii U tem recebido exclusivos de peso no seu catálogo e mesmo depois de perder um apoio significativo de editoras "third party", adquiriu Bayonetta 2, a juntar ao original Wonderful 101 do mesmo estúdio (Platinum Games) e ainda que sem exclusividade, o sempre icónico Rayman Legends da Ubisoft, consegue mesmo assim extrair sumo fresco dos seus estúdios em Quioto e acrescentar ao momento da Wii U aquele romantismo da década de noventa, quando as fabricantes de consolas produziam elas mesmas todo o género de software para as suas consolas, diversificando a oferta. Com a atribuição a estúdios ocidentais de IP's com origem no Japão ou novos produtos feitos mais longe, de certa maneira uma inevitabilidade da globalização, perdeu-se boa parte de uma identidade, enquanto que outras franquias foram crescendo e alargando as suas margens ao sabor ocidental.

Splatoon sai da Nintendo e do Japão para o mundo, e está a ser um sucesso. No Reino Unido o jogo ficou logo a seguir à primeira posição e no Japão surgem sinais de ruptura de stock, levando alguns retalhistas a aguardarem por uma reposição para satisfazer a procura elevada. É certo que os japoneses olham hoje para um "shooter" de um modo muito diferente da forma como o faziam há uma década. O género deixou de pertencer a um "nicho" e sobretudo deixou de ser percebido como um "bicho de sete cabeças", mas como algo competitivo e desafiante.

Aqui um trabalho de arte, disponível no Iwata Asks: Splatoon, sobre a utilização de uma lula no jogo.

Entre a abertura à criatividade e a exploração do inusual, por uma companhia que sempre nos habituou a uma trajectória progressiva, a obtenção de um produto com a qualidade que habitualmente é selo desde os tempos da primeira consola 8 bit, esteve longe de ser um parto fácil. No recente Iwata Asks, numa entrevista conduzida por Satoru Iwata (o CEO da companhia) a alguns produtores e co-directores do jogo, Amano e Sakaguchi, do departamento de produção da Nintendo, ambos revelaram que na E3 passada, quando foi mostrado o trailer de Splatoon (criado pela própria equipa de desenvolvimento), apenas 10% do jogo estava completo, ou se quisermos, faltava fazer os restantes 90%, quando a sensação que passava para o jogador era claramente de um jogo em franco avanço e estabelecido. Na E3 2014 havia apenas uma arma, um cenário de combate e uma sequência em termos de progressão. Faltava fazer o resto, o corpo do jogo, sob pena de se eternizar uma demonstração.

No espaço de dez meses e sob a supervisão de Miyamoto e também de Katsuya Euguchi (que muitos provavelmente reconhecerão de Animal Crossing), o novo manager da EAD, aquela equipa (Shintaro Sato, Seita Inoue, Tsubasa Sakaguchi, Yusuke Amano, Hisashi Nogami) que se juntou pouco depois do lançamento da Wii U - sendo que alguns deles trabalharam inclusive no menu da Wii U - começou a trabalhar afincadamente no conteúdo. O tempo escasseava e a chegada da primavera de 2015 haveria de conhecer um "shooter" feito pela Nintendo em 2015.

Num artigo escrito na Forbes, Paul Tassi fala em Pikmin e Animal Crossing (ambos 2001), com lançamento na GameCube (podemos acrescentar Luigi's Mansion), como as referencias originais mais sonantes da Nintendo em 14 anos, situando-se a esmagadora maioria das suas propriedades nos anos oitenta e noventa. As consolas portáteis têm sido o flanco da Nintendo mais exposto à originalidade, nas quais são levados a cabo mais testes (BoxBoy), desafios (Pullblox, Fallblox) e novas franquias (recentemente Code Name S.T.E.A.M). Mas talvez pelo género que toma Splatoon e por ser um jogo de grande densidade, o olhar sobre a dimensão da novidade não é o mesmo que recai sobre colectâneas de desporto, como o ainda assim revolucionário Wii Sports e até mesmo o Nintendo Land, a melhor prova da exclusividade de comandos da Wii U e sobre a qual a Nintendo - estranhamente - ainda não revelou planos sobre uma sequela. Não tendo sido um sucesso, Nintendo Music, de Miyamoto, foi uma tentativa de introduzir algo novo, tendo por base o controlo por movimentos, que apesar do fracasso não podemos ignorar.

A versão final é diferente dos conceitos iniciais, dotada de um colorido abissal e um conjunto de mecânicas muito sólidas.

Regressando a Splatoon e à fase de desenvolvimento, pós-protótipo, a que os produtores referem como o momento de teste, o jogo ganhava cada vez mais forma e o ânimo entre os produtores melhorava (inicialmente eram 10), só que faltava o crivo dos superiores, os tais aferidores de qualidade do produto como Miyamoto, Takashi Tezuka e Kazumi Yamaguchi. Numa entrevista à EDGE (edição 279, Maio 2015), Tsubasa Sakaguchi, co-director, refere que já tinham estabelecidas algumas ideias, como peso, a tinta, a lula, as personagens. Só que Miyamoto vigiava a produção e a dada altura disse-lhes: "Eu não percebo. O que estão a fazer? O jogo não é apelativo."

No tempo que se seguiu, Splatoon foi alvo de muitos melhoramentos e ajustamentos, e até recentemente, pequenos detalhes como a duração desde o lançamento de uma bomba até à sua explosão foram alvo de ajuste. Mas na essência e no núcleo, a equipa manteve os traços e o conceito que eles mesmos definiram como a base do jogo. Splatoon é um jogo vibrante, colorido e à imagem dos produtos da Nintendo, um jogo acessível, capaz de ser jogado numa vertente competitiva, tanto por jogadores entusiastas e da velha guarda como pelo público menos habituado a lidar com jogos, eventualmente interessado naquela espécie de "paintball", afinal de contas, o primeiro "arena shooter" da Nintendo.

Em Super Mario Sunshine existe a habilidade de lançar jactos de água. Em Splatoon o conceito até encontra algumas semelhanças, mas é muito mais integrado, operativo e estrutural, com uma sequência de habilidades bem maior, gerando grande imprevisibilidade às partidas multiplayer, como é típico num "shooter". E por esta variedade e invulgaridade de mecânicas, que emprestam divertimento e um factor diferenciador no curso das partidas, Splatoon funciona numa frequência diferente, independentemente do nível de experiência do jogador. Partindo de bases sólidas e do modelo "arena shooter", Splatoon é genuíno e fresco, e qualquer jogador sentirá isso mesmo quando experimentar as diversas armas, percebendo que a versatilidade pode ser um trunfo.

As três Amiibos lançadas com o jogo dão acesso a desafios especiais.

A base sólida da jogabilidade oferece as melhores garantias à equipa de produção nos futuros "updates" do jogo, alguns previstos e aos quais provavelmente acrescerão mais conteúdos (esperemos que sejam sempre grátis), já que a maior lacuna de Splatoon, neste momento, é justamente a extensão dos conteúdos. Cautelosos por forma a prevenir riscos e com uma sobrecarga de trabalho desde a E3 passada, a equipa de produção do jogo calcula o equilíbrio em cada detalhe, no alcance de cada arma, evitando que algum elemento seja superlativo e factor de perturbações nos confrontos multiplayer. Mas a base e as sementes estão lançadas, até porque Splatoon mostra-se polido, com "gravitas" e aquela frequência de produção típica dos jogos Nintendo. Ao mesmo tempo é um jogo alternativo, inédito pelas bandas de Quioto e sem os protagonistas a que estamos habituados. O trio de Amiibos, com a lula, o rapaz e rapariga, faz subir uma nova categoria de protagonistas, com ganas por novos combates de tinta.

O jogador é sempre um potencial produtor, mas um produtor é sempre jogador e embora não negue influências no seu trabalho, o contacto com outros jogos e o conselho dos produtores mais velhos e experimentados é primordial na concretização de uma nova propriedade. Katsuya Eguchi, manager da EAD, sublinha a importância desse balizamento na produção de novos jogos, mas também deixa claro que o futuro da Nintendo e a estratégia de desenvolvimento da empresa terá naturalmente de passar pelos mais novos e pelas suas sensibilidades, bem como inovações e tecnologias que vão surgindo. Splatoon é o resultado de uma nova estratégia da Nintendo no fabrico de novas IP's, aqui ilustrada no empenho de um punhado de jovens programadores da Nintendo. O futuro passa por eles.

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Vítor Alexandre

Redator

Adepto de automóveis é assim por direito o nosso piloto de serviço. Mas o Vítor é outro que não falha um bom old school e é adepto ferrenho das novas produções criativas. Para além de que é corredor de Maratona. Mas não esquece os pastéis de Fão.

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