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Os videojogos como experiências transformadoras

O poder motivador dos jogos na luta contra o cancro.

Os videojogos são cada vez mais vistos como um elemento natural de suporte comunicativo em vários domínios da sociedade e do saber. Desde a educação que há muito os tenta adoptar, passando pela informação e jornalismo, até ao campo da saúde e medicina os videojogos são cada vez mais vistos como potenciais ferramentas de transmissão de saber. Isto não é de todo surpreendente, porque o mesmo já aconteceu antes com a literatura, e o cinema. É natural que se procure combinar as capacidades persuasivas de cada medium com as necessidades concretas de cada área, e por isso os videojogos não são uma exceção.

São vários os exemplos de sucesso que podemos encontrar na história dos videojogos. A título de exemplo Privates (2010) [1] um jogo educacional encomendado pelo Channel 4 e baseado nos currículos nacionais britânicos de Educação Sexual, fala de temas como sexo seguro, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez não planeada entre outros, foi galardoado com um BAFTA pela British Academy Children's Awards. Outro exemplo The Cat and the Coup (2010) [2], videojogo desenvolvido por alunos da Universidade Southern California, em formato de aventura gráfica, fala-nos de um potencial golpe de estado organizado pela CIA no verão de 1953 para derrubar o primeiro Primeiro-Ministro do Irão eleito democraticamente. The Cat and the Coup arrecadou o prémio Documentary Game no CADE 2010, o que não surpreende dada a enorme qualidade do trabalho tanto graficamente como em termos de gameplay.

Mas a verdade é que a história dos jogos sérios, ou edutainment, como eram denominados nos anos 90 do século passado, está repleta de exemplos fracassados. Artefactos incapazes de comunicar com os seus jogadores. Nesse sentido chamou-me à atenção um estudo publicado na revista científica Pediatrics [3] que encontrei na semana passada. O estudo foi feito com base no jogo, Re-Mission (2006) [4], criado com o objectivo de induzir alteração de comportamentos nos adolescentes em tratamento contra o cancro. Os tratamentos de quimioterapia são reconhecidos pelos fortes efeitos secundários que causam, náuseas, quedas de pele, cansaço, irritabilidade.

Galardoado com um BAFTA pela British Academy Children's Awards

O processo de tratamento passa por uma fase intensiva no hospital, seguido por uma segunda fase de tratamento menos forte em casa e que se prolonga ao longo de cerca de dois anos. Um dos maiores problemas identificados nos adolescentes que passam por estes programas é a fraca atenção à toma da medicação tal como prescrita pelas equipas médicas. Mesmo sabendo dos enormes riscos que correm, a não toma de 20% de medicamento, não corresponde a um aumento em 20% da possibilidade de voltar a ter cancro, mas de 200%. Ou seja a informação não estava a passar.

"A grande mais valia dos videojogos não está na transmissão de informação, mas na capacidade de gerar experiências transformadoras via estimulação motivacional."

Com este problema em mãos, a equipa do Hope Lab dirigida por Pam Omidyar, pensou em utilizar um meio que falasse uma linguagem mais clara aos adolescentes, e foi assim que resolveram criar o videojogo Re-mission. O jogo baseava-se no género acção-aventura 3D, em terceira-pessoa, no qual o jogador controlava uma personagem feminina, a Roxxi, um nanobot infiltrado na corrente sanguínea que tinha como missão destruir as células malignas com recurso a vários tipos de armas eletroquímicas. Pelo meio do jogo e ao longo dos 20 níveis um robô ia dando informações sobre as doenças, os problemas, os riscos, e as formas de os atacar.

Depois de criado o jogo, realizou-se um estudo com 375 pacientes de cancro, com idades entre os 13 e os 19 anos, em 34 centros médicos dos EUA, Canada e Austrália. O grupo foi dividido em dois grupos, o de teste e o de controlo. Os sujeitos do grupo de controlo receberam um computador com um jogo comercial instalado. Os do grupo de teste receberam também um computador com o mesmo jogo comercial, e ainda com o jogo Re-Mission também instalado. A todos foi pedido que jogassem o(s) jogo(s) durante uma hora por semana durante 3 meses. Os resultados do estudo surpreenderam, dando conta de que no grupo de teste a quantidade de medicamento ingerido tinha aumentado em 20%. Parecendo pouco, este aumento representa um aumento em dobro das possibilidades de sobreviver ao cancro.

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Posto isto e sabendo dos problemas que existem para construir jogos desta natureza, interessa-nos perceber em maior detalhe o que terá motivado o sucesso desta experiência. Um dado que me parece extremamente relevante, foi discutido pelos autores do livro "Transformador: Como Mudar as coisas quando a Mudança é Difícil" [5], e que tem que ver com o facto de que os efeitos positivos de jogar Re-Mission ocorreram mesmo quando os sujeitos jogaram apenas os primeiros 20% do jogo. Para os criadores do jogo este dado trazia alguma perplexidade, uma vez que quem não jogasse todo o jogo não teria passado por toda a informação que estava distribuída ao longo de cada nível. Como é que o simples facto de jogar alguns níveis apenas poderia ter o mesmo impacto que jogar o jogo todo?

O que estava a acontecer não era um processo de aprendizagem dos perigos de não tomar a medicação, mas antes um processo de identificação ou empatia para com a personagem do jogo. A questão que se passava é que os adolescentes já tinham toda a informação sobre o problema, o que lhes faltava era força emocional para agir, a motivação. Depois de um tratamento de quimioterapia, aquilo que uma pessoa mais quer é fugir de tudo o que tenha a ver com tratamentos e voltar a ser ela própria, tal como era antes. Ao jogar o jogo, e ligando-se a Roxxi, ocorria uma associação direta entre as ações desta e as ações que o jogador precisava de fazer na vida real. O facto de a Roxxi recarregar a sua arma com químicos para poder derrotar as células, motivava o jogador a "recarregar" também a sua própria medicação. Ou seja as cutscenes com histórias informativas sobre a doença eram totalmente irrelevantes para ajudar à mudança. Porque a mudança que era necessária, não era cognitiva mas emocional. Assim percebendo que se é forte, que se pode lutar, que se pode controlar a doença, sente-se que se pode avançar. Ou seja, tomar a medicação de quimioterapia não era mais um ato que fazia os jogadores recordar a existência da doença, mas antes um ato de luta para parar a doença e voltar a ser o adolescente que eram antes da doença.

No fundo o que este estudo vem reforçar é a ideia de que os jogos podem servir, e bem, a comunicação e persuasão dos públicos. Segundo que o devem fazer de modo complementar, e não como via única de cedência de conhecimento. Terceiro e mais importante, que a grande mais valia dos videojogos não está na transmissão de informação, mas na capacidade de gerar experiências transformadoras via estimulação motivacional.

  • [1] Privates (2010) (Virtual-illusion)
  • [2] The Cat and the Coup 2010
  • [3] Pamela M. Kato, Steve W. Cole, Andrew S. Bradlyn and Brad H. Pollock, (2008), A Video Game Improves Behavioral Outcomes in Adolescents and Young Adults With Cancer: A Randomized Trial, in PEDIATRICS Vol. 122, No. 2, August 1, 2008, pp. 305-317 (doi: 10.1542/peds.2007-3134)
  • [4] Re-Mission (2006)
  • [5] Chip Heath & Dan Heath, (2010), Switch: How to Change Things When Change Is Hard, Broadway Books, NY

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.
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