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Os jogos arcade que não podemos perder

Esta semana um trio de placas CPS2 da Capcom ganhou mais anos de vida.

Estamos de volta ao momento do ano no qual os convites às promoções das novidades digitais nos jogos são lançados com a mesma força das gotas de chuva de encontro ao vidro numa tarde cinzenta de... Inverno? Ainda é Outono? A insistência das gotas vergastadas pelo vento é de tal modo ressonante que se torna praticamente impossível escapar incólume perante tão grande bátega. No meio da oferta não faltará um jogo que nos diga alguma coisa. E no entanto, mais do que noutra geração tivemos um acesso tão grande ao formato digital, uma via rápida para a compra por impulso. O anúncio das pechinchas na Store, Live ou Steam tem como efeito perverso a formação de um catálogo por jogar e a ideia de comprar novo é simplesmente afastada porque já ninguém nos convence que não tardará até que certo jogo da nossa preferência desça no preço.

O atropelo desta época é particularmente incisivo sobre os títulos de formato físico que encontram mais dificuldades em escoar no mercado e a tentação de os adquirir a baixo preço sem grandes delongas é maior. Com as ofertas mensais asseguradas por via dos serviços de subscrição como Plus ou Xbox Live, os jogos à disposição como que triplicam e o catálogo de jogos por jogar vai aumentando até não ser mais possível armazenar por falta de espaço, chegando ao cúmulo de apagar um ou outro título instalado para o qual não houve tempo. Não chegam discos maiores nem descargas rápidas, falta por vezes alguma organização e definição de prioridades.

Esta semana a minha prioridade no "gaming" passou por acrescentar mais uns anos de vida a um conjunto de placas arcade da Capcom, conhecidas como CP System II, criadas entre 1993 e 1996. Foi quase serviço público. A CPS2 é um modelo que veio substituir as anteriores CP System, algo vulneráveis e fáceis de piratear, o que levou a Capcom a pensar num modelo mais evoluído, fechado e dotado de uma arquitectura algo complexa. Por isso é que não é fácil encontrar "bootlegs" destas placas, precisamente por força da dificuldade em oferecer uma réplica em massa a baixo custo. No período de produção das CPS2, a Capcom lançou alguns dos seus mais icónicos e belíssimos jogos, como as versões de Street Fighter Alpha, o famoso 19XX e provavelmente o melhor "fighting game": Super Sreet Fighter II X: Grand Master Chalenge (lançado no Japão em 1994 e cá conhecido como Super Street Fighter II Turbo).

Depois de uma saída para substituição da pilha de Litium 3.6v, Super Street Fighter II X Grand Master Challenge está de regresso à arcade.

Aliás, as CPS2 são praticamente um assunto ou moeda de troca usual entre fãs do retrogaming e da cena arcade. Uma CPS2 dada à troca por um jogo valioso que pretendemos juntar à montra e jogar é sempre um factor a ter em conta para algumas hipóteses de sucesso. Claro que a utilização de uma destas "boards" não é suficiente por si mesma nem se pode pensar numa ligação ao televisor. Estas placas são também conhecidas como B "boards", o que quer dizer que só funcionam quando estão ligadas a uma A "board", que é a placa correspondente por região e que possui uma conexão JAMMA, o formato universal das arcades e das "supergun", por via da qual podem ainda efectuar um "kick harness" (adaptação para 6 botões).

As CPS2 são jogos arcade; as versões superiores, as rainhas. É incomparável qualquer versão de Street Fighter II Turbo para uma Mega Drive ou SNES com a correspondente edição arcade. Muito pouco a ver. As CPS2 são uma placa de circuitos carregada de memórias (podendo agregar até várias placas) quase uma motherboard de um computador com uma gráfica em cima e uma placa de som. À época estas boards podiam custar umas centenas de contos (que os seus compradores rentabilizavam facilmente nos clubes e salões de jogos). Hoje, já poucas rendem moedas nos espaços para os quais foram idealizadas e criadas. Especialmente nas mãos de fãs e coleccionadores, as mais procuradas atingem valores elevados por força da escassez, embora as haja mais económicas e acessíveis como os tremendamente populares Marvel Super Heroes, Marvel vs Capcom e Alien vs Predator.

Modelo CP System II funciona ligado a uma A Board (da respectiva região) e possui ligação JAMMA.

Apesar da imensa popularidade que as placas gozam junto dos fãs e entusiastas, sobretudo pela qualidade dos jogos, estas constituem um dos maiores riscos em termos de longevidade, podendo sujeitar o seu proprietário a extrema amargura a partir do momento que a bateria alojada na placa, que grava a memória das chaves encriptadas que fazem correr o jogo, desce dos 2 volts. Trata-se de uma situação que é apelidada entre os conhecedores como as baterias suicidas. Perdendo energia a placa simplesmente morre, deixa de funcionar e só através de processos algo complexos é possível restaurar e dar nova vida à placa, embora não corra mais dentro dos processos de fábrica.

Se as placas ainda funcionam com a pilha original o risco de morte súbita é grande. De um momento para o outro podem encostar às boxes para não mais voltarem à pista. O mais surpreendente é que muitas continuam a resistir, quebrando recordes e impressionando os utilizadores. As boards foram criadas a partir de 1993, o que significa que os jogos dos primeiros anos, com destaque para o icónico Street Fighter II levam mais de 20 anos de vida. É como se a cada novo dia, ao ligar a CPS2 à arcada ou "supergun", encontrar o ecrã de lançamento fosse uma espécie de bênção. Muitas destas boards estão no mercado a correr com a pilha original, inclusivé a minha até quinta-feira passada. Recordes estão a ser batidos, embora os seus donos saibam que é muito arriscado manter a placa em funcionamento nestes termos por mais tempo. Com o inverno a apertar no hemisfério norte do globo, as pilhas ressentem-se quando as temperaturas baixas, o que enfraquece a B board.

O processo de mudança da pilha não é muito complicado mas deverá ser realizado com concentração e brevidade. Mesmo depois de removerem a pilha original, a board ainda funciona durante uma hora aproximadamente, através de um condensador. Depois de soldarem a nova pilha, horas depois e se tudo correu bem a B board continuará a trabalhar.

Decidi por isso que este era o momento para executar o serviço das minhas três B Boards que ainda operavam com a bateria original (Vampire Hunter, Street Fighter Alpha 2 e Super Street Fighter II X Grand Master Challenge). Outra que tenho, a 19XX The War Against Destiny, é "phoenixed", ou seja recuperada por mãos mais sapientes depois de algo ter corrido mal com a bateria. Durante anos a Capcom prestou serviço aos clientes, caso surgissem problemas, mudando até a bateria, mas com o fim da assistência após a reestruturação das operações arcade, os proprietários ficaram numa situação de abandono. Muitos simplesmente livraram-se das boards da forma que podiam, outros cientes do risco mudaram as baterias, enquanto uns poucos não se incomodaram em deixar as B "boards" repousar num sono profundo e permanente, numa prateleira escura e poeirenta das arrumações.

É nestas coisas que as comunidades agregadas em fóruns como o Neo Geo ou o Arcade Otaku funcionam e revelam o seu lado mais fantástico, despertando em nós o gosto pela recuperação, descoberta e funcionamento destes peculiares sistemas. E quem diz comunidades diz conhecedores e pessoas que conhecemos que fazem isto há mais tempo e nos aconselham sobre o que método mais conveniente. Ao actuarmos sobre esta situação das placas que entram em processo de dissolução, estamos a contribuir para que não caia na inutilidade um produto criado em condições que hoje já não existem, para que seja mais difícil apagar um período da história dos videojogos, especialmente por poder ser desfrutado nas suas condições originais, tal como foi concebido. De certo modo estamos a afiançar que um emulador (quando não oficial) é sempre uma cópia não legal e uma tentativa irregular de dar a volta ao obstáculo. No caso das CPS2 o obstáculo não é a bateria, somos nós mesmos. É a nossa inacção após ver passar os dias sem arriscarmos deitar mãos à obra, com medo de falharmos. Até ao momento em que decidimos dizer que basta, passamos por um enchimento de coragem e arrepiamos serviço. Duas noites (a última com a recente edição da Quadratura do Círculo audível e a cintilar em fundo por entre fumo de estanho derretido) a queimar pestana entre parafusos, processos de soldadura, dessoldar e voltar a unir tudo, num trabalho quase cirúrgico, chegaram para aliviar o incómodo das baterias suicidas. A data de mudança escrita numa tira de papel colada sobre as costas da B board basta para assegurar a contagem de pelo menos mais cinco anos de utilização plena e segura.

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