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O preço da persistência na nova geração

Os sistemas de habituação.

Acredito que grande parte das pessoas possuem um desejo natural por eficiência, não tenho competências ou dados empíricos que me permitam afirmá-lo, mas no global, julgo que somos propícios a optimizar todas as tarefas, desde as mundanas do dia-a-dia, mas principalmente aquelas com as quais nos envolvemos emocionalmente, como jogar. Este estranho desejo humano por eficiência é aproveitado sobremaneira no design de videojogos através dos chamados sistemas de habituação, que são conhecidos por premiar a continuidade e a periodicidade das sessões de jogo ou da utilização de determinada mecânica.

Isto não é nada de novo, e esteve em discussão há uns tempos devido à utilização abusiva destes sistemas no espaço mobile. O meu objectivo não é, mais uma vez bater nas Zyngas deste mundo, mas antes tentar identificar ambos os lados destes sistemas, os exemplos onde realmente contribuem para melhorar a experiência, e os outros onde não passam de ilusões de progressão que se aproveitam da paciência humana (ou da falta dela).

A ideia para esta matéria surgiu primeiro porque é importante que os jogadores sejam capazes de identificar estes sistemas, e se estes são ou não justos para merecer o seu tempo e o seu dinheiro, mas principalmente porque a nova geração de consolas parece estar a encaminhar-se definitivamente para a persistência, e por isso acredito que vamos começar a ver muitos mais destes sistemas, que são um dos pilares fundamentais dos MMO's, nos AAA tradicionais.

Ok mas o que são exactamente sistemas de habituação? Nos videojogos podemos pensar neles em dois tipos diferentes, positivos ou negativos, um bónus ou uma penalidade, desenhados para orientar, ou mesmo forçar o comportamento do jogador. Naturalmente o cérebro humano reage melhor aos positivos, e por isso estes são os mais amplamente utilizados nos videojogos modernos. Isto não tem necessariamente que ser assim, há muitos casos em que existem sistemas penalizadores que limitam o acesso ao conteúdo, ou se pensarmos nas velhinhas máquinas de arcade que eram autenticamente suportadas em habituação negativa, onde tínhamos que continuar a pagar para poder jogar.

Para dar um exemplo que será familiar a todos, o “bónus” de pontos que obtemos na primeira vitória do dia no League of Legends. O jogador não perde nada nada se não jogar um dia, apenas não ganha o bónus, sendo que a ideia é promover o regresso diário de todos, mesmo do mais casual dos jogadores. Qualquer produtor sabe que antes de se apressar a envolver o jogador num dos seus sistemas no jogo, precisa primeiro de o convencer a ficar, precisa de tempo para que este desenvolva algum compromisso, e por isso é comum ver este bónus globais nos jogos online, independentemente da plataforma.

Felizmente, para conseguir compromisso o jogo depende principalmente da qualidade e/ou interesse do seu gameplay, mas assumindo que investem algum do vosso tempo com determinado jogo, é natural que procurem, mesmo que inconscientemente, optimizar as vossas ações. Num RPG vão vasculhar cada quarto e escolher as habilidades que aparentemente combinam melhor, num shooter vão procurar conhecer o mapa e conseguir a melhor arma, ou num RTS onde a coisa chega ao extremo, e os jogadores se dividem por ações por minuto.

A interação com todos os sistemas do jogo funcionam da mesma maneira, e por isso a certa altura o nosso cérebro perceciona o bónus diário como obrigatório, se não os aproveitamos sentimos que estamos a perder algo. O sistema do LoL que utilizei para exemplo é super ligeiro quando comparado com o que vemos nos MMORPG's onde quase tudo é um bónus que premeia o compromisso e repetição de conteúdo. São em grande parte o apelo destes jogos, posso dar vários exemplos bem conseguidos, os cooldowns diários das profissões que dão sempre algo valioso, as quests diárias que permitem a reciclagem de conteúdo, desde que a recompensa seja proporcional, o “reset” semanal dos bosses no World of Warcraft que torna as Quartas-Feiras no dia mais concorrido da semana.

Falhar algum bónus engana o cérebro dizendo que estamos a perder algo, mas raramente um jogo destes retira seja o que for ao jogador. Digamos que são sistemas que tentam ser meritocráticos, recompensando o trabalho e dedicação, mas deixando espaço depois para a habilidade. Este tem sido um equilíbrio controverso e a razão do falhanço de vários MMO's. Depois de ver a apresentação de jogos como The Division, o The Crew ou o Destiny, estou certo que caminhamos para ter muitos exemplos deste género de sistemas aliados aos jogos e aos próprios ambientes das consolas (Live, PSN, Miiverse).

“Se temos apenas 6 horas livres de cada dia, duas são para comer, as outras são para mostrar àqueles desgraçados quem manda. E quem precisa de comer anyway?”

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Para optimizar a vossa relação com estes jogos terão muito provavelmente que aproveitar todos os bónus possíveis do seu lado persistente, tenho a certeza que estes tudo farão para não só captar a atenção do jogador, mas manter o envolvimento. Qualquer mundo persistente depende em exclusivo da sua comunidade, e por isso manter o jogador é prioridade número um. Isto requer conteúdo periódico, moderação, mas principalmente algum tipo de monetização para lá da venda da caixa inicial.

Exige também uma experiência controlada, se querem o melhor destes jogos, o mais certo é aceitarem que o jogo controle os vossos hábitos. Até dá vontade de dizer à Microsoft, querem os jogadores ligados? Façam-no com design, não com imposições. Ninguém gosta delas. O mais certo é os jogos premiarem cada login diário com algum tipo de pontos, mas seria engraçado por exemplo ter que jogar X vezes por mês no The Crew para receber um convite para uma corrida especial.

Outro ponto em que queria tocar, e que diferencia muito os jogos persistentes dos demais é a perceção do tempo, e nomeadamente como esta está ligada ao progresso. Em qualquer jogo single player tradicional, nós sentimos que temos todo o tempo do mundo para derrotar o conteúdo, ou para aperfeiçoar a nossa habilidade para depois quem sabe, até enfrentar um modo multijogador online. Dentro do mundo persistente a perceção do tempo é completamente diferente, o mundo não dorme, os outros não param de progredir, ou pior, parte do conteúdo torna-se obsoleto, ou deixa de existir até. Esta sensação de que estamos sempre em desvantagem perante o mundo é em si um motivador para a optimização de ações.

Estes sistemas são uma das vertebras dos videojogos online, os jogos sociais utilizaram-nos abusivamente no passado, ou porque não tinham conteúdo suficiente, ou porque queriam forçar o jogador a “puxar da carteira”, por outras palavras, procuravam lucro utilizando a impaciência humana. Acredito que lidem com um público muito mais informado e literado (digitalmente) hoje em dia.

Independentemente de tudo, não há problema quando estes sistemas apenas premeiam o acto de voltar regularmente ao jogo ou a uma mecânica específica, mas quando o jogador é penalizado por não o fazer, ou pior ainda, quando o jogo corta o próprio conteúdo detrás de um sistema desses, isso é apenas design rasteiro, armadilhas psicológicas criadas para promover uma rotina que nos faz “querer mais” não pela qualidade em si, mas pela forma como o nosso cérebro perceciona o progresso.

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