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O declínio das App Stores!

Problemas dos jogos nestas plataformas.

Não é de agora, mas os relatos têm-se agudizado, por parte dos criadores de jogos que têm utilizado a App Store para distribuir os seus jogos [1]. Começa a criar-se a ideia de que esta não é apropriada, e começam a surgir conselhos para evitar a App Store no caso de projetos maiores [2]. Nesse sentido quis perceber melhor o que se passa com esta. Como é que uma das lojas de maior sucesso instantâneo de sempre está a afastar os criadores de conteúdos que já ali investiram. Mais, porque é que ainda não existiu um único grande jogo criado para a plataforma, seja por parte de um grande estúdio ou mesmo uma equipa independente. Tirando os ports de jogos de sucesso (ex. GTA III), não existem grandes jogos desenvolvidos e dedicados a utilizar o potencial dos smartphones/tablets, seja na App Store, na Google Play ou na Windows Phone Store. Penso que tudo isto se resume a três grandes problemas: promoção, preços e interface.

Começo pelo ponto que é para mim o maior problema de toda a lógica de distribuição patente nas App Stores. A App Store e a Google Play possuíam no final de 2012 cerca de 700 mil aplicações, uma larga maioria destas eram jogos. Ora isto é o mesmo que dizer que a oferta para os jogadores é infinita e que estes mesmo que quisessem nunca poderiam jogar tudo o que ali existe. Além disso o tempo de atenção dedicado ao entretenimento diário de cada um de nós é limitado, o que obriga a que façamos uma seleção cuidadosa daquilo que jogamos, correndo o risco de perder demasiado tempo a jogar coisas sem interesse. Nesse sentido procuramos filtros para escolher os melhores jogos. Estas lojas oferecem tabelas diárias dos mais vendidos o que nos ajuda, mas verificamos que isso acontece apenas numa fase inicial. Ao fim de algum tempo verificamos que as tabelas mudam pouco, os títulos ali presentes são quase sempre os mesmos, e porquê?

A razão das listas não variarem prende-se por um lado com aquilo que já falei aqui no texto anterior sobre as sequelas [3]. Mas o principal problema está relacionado com a total ausência de promoção e discussão dos jogos que são lançados nestas lojas. Ou seja, quantos anúncios de tv, rádio, jornal, revista, online já vimos sobre jogos na App Store? Mais importante do que isto, quantas análises de jogos da App Store já vimos nas revistas de referência nacionais e internacionais? Se compararmos isto com a loja gémea da Apple a iTunes vemos diferenças enormes. A iTunes tornou-se na maior loja de venda de música, não apenas porque criou uma loja que funciona e tem praticamente todos os títulos que procuramos, mas porque as grandes editoras - Universal, EMI, etc. etc. - continuaram a investir na promoção dos seus autores.

"A App Store e a Google Play possuíam no final de 2012 cerca de 700 mil aplicações, uma larga maioria destas eram jogos."

O marketing de um produto é condição essencial para que este gere retorno. Ou seja, para garantir que o dinheiro que investimos a criar algo, possa voltar para nós, de preferência com mais algum para que se possa continuar a criar. O marketing não é apenas publicidade, o marketing corresponde a uma estratégia de fundo que consiste em fazer chegar um conteúdo ao máximo de pessoas. Para isso é preciso publicitar, mas mais do que isso é preciso pôr outras pessoas a falar sobre os conteúdos. Investir em cerimónias de lançamento dos produtos, criar kits de imprensa de qualidade, levar os criadores a entrevistas a vários media, tudo isto e muito mais para que os jornalistas (desde as grandes revistas aos blogs) conheçam a nova criação e se sintam motivados a falar da mesma e assim a informação possa chegar aos jogadores. Tudo isto custa em média 30 a 40% do valor de lançamento de um novo jogo AAA, de um novo filme de Hollywood, de um novo álbum que chega à MTV.

Isto leva-me à discussão dos preços da App Store. O iTunes obrigou os estúdios a lançar todos os álbuns a 9.99 euros e cada música a 0.99 euros. No caso dos jogos não se pode dizer que a Apple tenha forçado, mas em certa medida foi o que acabou por acontecer, estes foram colocados ao preço de uma música, e não de um álbum. Um verdadeiro prego no caixão da App Store. Porque os custos de produção de um jogo não se podem comparar aos custos de produção de uma música, quando muito o que se poderia ter feito era ter demos com um ou dois níveis, a esse preço. Alguns criadores até lançaram versões gratuitas com poucos níveis, o problema foi que os jogos mantiveram-se a 99 cêntimos, servindo as demos apenas de promoção (uma forma de promoção com muitas limitações). Um jogo tem muitos custos associados, apesar dos jogos na App Store não serem AAA, os seus custos vão de um mínimo de 10 mil euros até uma média de 250 mil euros [4]. Tendo em conta que os downloads pagos (os gratuitos são muito mais altos), com as exceções do tipo Angry Birds, se situam entre as mil e as 50 mil cópias, começamos imediatamente a fazer contas e facilmente percebemos que lançar um jogo na App Store significa à partida perder dinheiro.

The Walking Dead (2012) perde imenso de uma consola para um tablet.

E como se tudo isto já não fosse suficientemente mau, a Apple ainda cobra desse um euro, que o autor recebe pela venda de cada cópia do jogo, 30%. A esta percentagem é necessário ainda acrescentar a licença de “developer” para poder vender os seus jogos na App Store, e isto representa mais um custo anual que pode ir de cem euros a mais de mil euros. Em certa medida podíamos admitir que estes valores estariam em sintonia com os tais 30 a 40% que são precisos gastar em promoção nos grandes jogos. O problema é que estes valores não revertem em nada para promoção dos jogos, servem apenas para colocar o jogo online. Ou seja, o valor que um criador tem de pagar à App Store passa a diferir pouco dos custos que existiam antigamente com a produção física das caixas e custos de envio por correio para os jogadores. A diferença é que antes não passaria pela cabeça de ninguém vender um jogo por um euro.

Este texto já vai longo, mas a juntar a tudo isto existem ainda outros problemas como as estratégias continuadas de baixa e subida de preços na App Store, que conduzem os jogadores a esperar constantemente pelo preço mais baixo [2]. E mais importante ainda, os problemas com a interface gestual dos smartphones e tablets. Se até aqui foi novidade e serviu como argumento de venda, agora é preciso oferecer mais ao jogador, mas está a ser difícil. Como tive oportunidade de demonstrar a jogabilidade de The Walking Dead (2012) perde imenso de uma consola para um tablet [5]. E isto vai obrigar-nos a refletir muito mais sobre o tipo de jogos que se podem criar para os tablets. A realidade é que as App Stores com os smartphones e tablets viveram até agora um grande hype, mas a sua curva de sucesso apresenta claros abrandamentos. Deixo apenas um apontamento final relacionado com a nossa produção nacional, que durante o ano de 2011 produziu nada menos que um estonteante número de 30 jogos para estas plataformas, caindo em 2012 este número para um terço.

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.

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