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Game Over Yeah!

Como Sega Rally Championship para a Saturn chegou à meta na frente.

A recente passagem da caravana do WRC por Portugal trouxe-me à memoria o mais carismático jogo de rali. Não é o WRC da Evolution Studios, nem a recente produção da BlackBean sob a mesma licença, nem mesmo o jogo Colin McRae Rally e a sua arrebatadora sequela. Antes destes, ia a década de noventa a meio, quando chegou à Sega Saturn um autêntico marco que viria a consolidar a posição da Sega como uma das melhores produtoras de jogos arcade. Sega Rally Championship está longe de ser o melhor jogo de rali. Não é o mais completo, nem o jogo que melhor permite desfazer curvas a grande velocidade num carro adaptado para asfalto ou para terra batida. Mas daquela combinação especial entre três modelos de automóveis, quatro pistas e uma condução arcade que permitia a qualquer pessoa sentir picos de adrenalina em poucos instantes, resultou uma chama que perdurou no tempo. E a sustentação da sua qualidade manifesta-se na resistência ao peso do tempo. Ainda agora, se derem uma volta à ignição deste racer e entrarem no modo Championship ou Time Trial, descobrem-lhe os méritos.

Não deixa de ser curioso ir aos factos históricos de Sega Rally para descobrir que este era um jogo quase improvável. Um ano antes do seu lançamento, em Fevereiro de 1995, o departamento da Sega AM3 trabalhara em géneros em nada relacionados com o mundo automóvel. Dos jogos de luta, aos shooters e fighting games, nem sombra de um jogo dominado pelas quatro rodas. Como surgiu então este entusiástico jogo de rali?

Em 1995 a Sega conhecia um êxito arcade fenomenal. Os jogos a três dimensões estavam a ganhar pujança não só nas arcades, mas também nas consolas se fazia a transição do 2D para o 3D, cortesia Sega Saturn e PlayStation. A Sega Saturn é uma das primeiras consolas a proporcionar grafismo tridimensional. Para quem vinha do PC ou da anterior geração de consolas, o passo era de gigante. O futuro, porém, viria a consagrá-la como uma das melhores dentro do género 2D (culpem a PlayStation por isso) e como um sistema razoável na produção do 3D. Mas no primeiro ano de existência, a Saturn contou com bastantes conversões bem conseguidas dos jogos de salão da Sega. Títulos como Daytona USA, Virtua Fighter e Virtua Cop, deixavam em estado de sítio quem passava tardes no salão. De um momento para o outro, podia ter em casa quase o mesmo jogo das salas de jogos sem ter de perder a conta à moedas que tirava do bolso.

No modo Championship havia por cada especial um número máximo de veículos a ultrapassar.

No entanto, a existência de duas plataformas distintas de produção, uma arcade e outra doméstica, obrigava os produtores a novos desafios. Não era nada fácil recriar a mesma experiência arcade num sistema doméstico cujo processador de gráficos 3D era inferior, mas no caso de Sega Rally a conversão foi muito bem sucedida. Apesar de inferior à congénere arcade, porque a arquitectura Model 2 das arcades permitia processar mais dados, ainda assim a equipa liderada pelo duo Atuhiko Nakamura e Tetsuya Mizuguchi desenvolveu uma autêntica experiência arcade numa plataforma doméstica de custos inferiores. O resultado final ditou um jogo bastante fiel à versão arcade, a correr a 30 fps (Daytona USA ficou-se pelos 25 fps), com modos exclusivos e mais alguns opcionais como a afinação dos carros.

"Sega Rally teve como ponto máximo de destaque os coloridos e vistosos visuais em três dimensões."

Comparado com a espinha dorsal de um jogo de automóveis criado nestes dias, Sega Rally é um jogo limitadíssimo. Era o preço a pagar pela conversão dos jogos arcade. Mas também eram outros tempos. Nakamura e Mizuguchi ainda consultaram peritos e conhecedores dos meandros do rali para tomarem as melhores decisões quanto aos modos de jogo a acrescentar. Porém, as opções exclusivas da versão domestica nunca foram suficientes para fortalecer o jogo e torná-lo mais forte perante produtos concorrentes. Para muitos proprietários desta versão doméstica, a chama ter-se-á apagado mais cedo do que esperavam, mas houve também quem, como eu, tenha tirado o máximo partido deste então único e exclusivo jogo.

Sega Rally teve como ponto máximo de destaque os coloridos e vistosos visuais em três dimensões. A notável frame rate proporcionava uma boa sensação de velocidade, e esse era o primeiro ponto a gerar uma imediata satisfaçao. Depois, a condução revelava-se segura e confiante, com diferentes sensações, consoante os pisos. Sobre a terra batida eram os deslizes e longos drifts que causavam admiração, na Desert stage. A margem para erro era maior, mas também encontrávamos aquelas sequências de transição asfalto/terra e terra/asfalto, no segundo stage, denominado Forest. O último stage estava reservado para a maior dificuldade, uma sequencia de montanha (Mountain) que punha à prova os dotes dos mais habilidosos. Cercada de muros, casas e uma vila, esta estrada era mais uma homenagem ao troço do rali de Monte Carlo. O mínimo erro pagava-se com um toque que atrasava irremediavelmente a progressão até à chegada para o primeiro lugar. Segurando a primeira posição, o vencedor era convidado a disputar o troféu adicional, um percurso extra baptizado de Lakeside e cuja directa comparação se pode fazer com o rali da Finlândia, a prova dos mil lagos e dos mil saltos. Como percurso de alta exigência técnica, acabá-lo em hard e na frente era uma questão de prática, treino e de um sincronismo perfeito. No final, a festa do pódio aguardava pelos mais persistentes.

Em Lakeside o adversário reagia rapidamente a qualquer erro mínimo de condução.

Para um jogo lançado em 1995, Sega Rally impunha-se pelos fortes visuais e detalhes. Apesar de curtos, os stages tinham uma forte autoridade visual e o desenho das pistas acompanhava os diferentes graus de dificuldade. O troço de montanha, o mais recortado e exigente, era um dos mais entusiasmantes, com diversos segmentos de inclinação e curvas rápidas intercaladas com cotovelos. Os pneus até chiavam. Há público a ver os carros a passar; sobre os muros, encostas e atrás de vedações, esta assistência, apesar de demasiado poligonal, transmite aquela autenticidade que não havia noutro jogo. Era mesmo como se o jogador estivesse por dentro de um troço do mundial de ralis. Na classificativa Desert existe até um helicóptero que se aproxima das curvas finais, efectuando voos rasantes numa imaginária captura para um directo televisivo. Tanta emoção filtrada em quase um minuto.

À nossa disposição estavam dois bólides oficiais do campeonato do mundo. O Toyota Celica oficial com as cores da Castrol e o quadradão Lancia Delta da Martini Racing. Dois monstros sagrados da estrada e dois campeões, aos quais se juntava um terceiro carro mítico; o Lancia Stratos, pintado com as cores da companhia aérea Allitalia, como que a pedir outros voos. Este era um carro secreto que só podia ser desbloqueado por aqueles que completavam o extra Stage no lugar da frente. Em suma, eram poucos carros, mas bons. O Lancia Stratos era o mais difícil de conduzir, mas não menos entusiasmante que os outros dois. Fazer todo o percurso do campeonato em hard e acabar na frente era proeza ao alcance dos verdadeiros fãs. Potente, e pesado atrás, obrigava a uma condução cautelosa, sem abusar dos deslizes. Quem cumpria as regras, ganhava. A melhor forma de o conduzir dentro da trajecória ideal era mantê-lo sempre de frente, algo bastante difícil de concretizar. E quão diferente era passar do seu assento para o assento do Celica e deste para o Lancia Delta. O Celica 4x4, mais comprido, obrigava a algum esforço nas curvas apertadas, especialmente nos famosos ganchos da Floresta e da Montanha. Já o Lancia Delta, devido à menor distância entre os eixos, passava melhor nas secções mais estreitas. No final, era uma questão de hábito e de conhecimento do ADN destes veículos. Por serem poucos é que foi reforçado o trabalho de polígonos. Atractivos, realistas e bastante coloridos, estes carros não só eram carismáticos como funcionavam como porta de entrada para o jogo. O Stratos fazia parte de um campeonato separado, e até houve quem dissesse que havia um quarto carro para desbloquear. Só que isso, infelizmente, nunca passou de um rumor.

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A existência das notas transmitidas pelo co-piloto deixava de ser essencial ao fim de três ou quatro passagens pelos percursos, tal era o poder de memória que nos levava a conhecer de trás para a frente cada stage e a antecipar a entrada em curva, naquele belo efeito que força o condutor a apontar o carro para o lado oposto ao da trajectória (só por uma fracção de segundo). Entre "easy left" e "easy right", era a mesma voz que anunciava a interrupção do campeonato quando o jogador falhava a passagem pelo checkpoint antes de acabar o tempo. "Game Over Yeah" tornou-se de tal modo frequente e ressonante, estoirando em letras douradas e alaranjadas numa ocupação total do ecrã. A banda sonora acrescentava mais emoção e tornava-se auxiliar da progressão em corrida, pois sabíamos através dela quando estávamos a ganhar tempo. Nem precisávamos de olhar para o relógio; bastava chegar a certo ponto antes daquela sonoridade. Depois era só conduzir a viatura direitinha até ao final e estava feito; novo recorde pessoal. Era assim.

Sega Rally Championship é sinonimo de máquina arcade e Sega Saturn. Um firme exemplo da melhor produção arcade e uma das melhores conversões operadas pela AM3. Não foi preciso muito tempo até conhecer mais e melhores concorrentes que haveriam de ganhar a preferência dos fãs. Mas porque encontra na acessibilidade o imediatismo típico das produções arcade, Sega Rally Championship não perdeu o brilho sob a marcha inexorável do tempo. Enquanto se lhe descobriam as limitações, entrava também para o restrito clube dos jogos intemporais.

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Sobre o Autor
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Vítor Alexandre

Redator

Adepto de automóveis é assim por direito o nosso piloto de serviço. Mas o Vítor é outro que não falha um bom old school e é adepto ferrenho das novas produções criativas. Para além de que é corredor de Maratona. Mas não esquece os pastéis de Fão.
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