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Estigmas da Cultura de Videojogos

Como a sociedade vê os jogadores.

Na semana passada participei no podcast da Eurogamer no qual se discutiram assuntos variados da atualidade da cultura dos videojogos. A uma determinada altura e a propósito do evento IberAnime, veio à conversa o tema da aceitação da cultura gamer por parte da sociedade. Inicialmente não liguei muito, no imediato pensei que era um assunto gasto, e que de certo modo já tinha sido ultrapassado. Mas à medida que a conversa foi evoluindo, e fui pensando mais sobre alguns comentários recentes, fui percebendo que o assunto não está tão ultrapassado como eu pensava.

Que aqueles grupos de amigos que se tem quando se está ainda a estudar, desaparecem quando se começa a trabalhar, e que no local de trabalho há que manter padrões de elevação intelectual. Se por acaso numa conversa se introduz um tema, que foi vivido num jogo, se é olhado com uma certa desconsideração. Por outro lado se o tema foi antes vivido na leitura de um livro, questiona-se sobre o autor, ou o custo do livro, mostra-se interesse, e mantém-se a conversa a rolar.

É verdade, que os videojogos já não estão no patamar que estavam há 15 anos. Conseguiram ultrapassar vários obstáculos no modo como são vistos pela sociedade, e aos poucos foram-se distanciando do estigma associado às artes de nichos, como a banda desenhada (BD), aproximando-se de uma aceitação próxima das artes mais convencionais e populares como o cinema. Ao longo da última década o investimento e as receitas dos videojogos não pararam de crescer. E a partir do momento em que se começaram a ver balanços anuais em que os videojogos eram mais rentáveis que a arte mais popular de sempre, o cinema, as pessoas passaram a encarar de forma diferente a cultura dos videojogos. Mas esse encarar diferente quererá dizer que a sociedade em geral passou a aceitar cultura dos videojogos como fazendo parte da cultura geral?

Pensava eu no meio da conversa, que a aceitação tinha mesmo aumentado e passado a respeitar-se mais o meio. Que momentos como os que já algumas vezes experienciei, de estar a conversar de banda desenhada com colegas mais velhos e ser-me pedido para falarmos em voz baixa, ou então para não divulgar o seu interesse pelo assunto, não aconteceriam em relação aos videojogos. Mas estava enganado, recordando episódios vários, percebi que a aceitação de que hoje gozamos, é apenas superficial. Que na verdade, quem trabalha na área, ou quem discute temas da área, é de algum modo visto como exótico, fora dos padrões, qualificados normais pela sociedades. Não podemos dizer que as pessoas estereotipem negativamente os jogadores e a sua cultura, diria antes que olham mais com uma espécie de condescendência. Tipo, "coitados, ainda precisam de crescer para aprender a dar valor ao que é importante na vida".

Eu próprio ainda na semana passada ouvia um amigo contar-me que o seu filho, quando descobriu que o pai tinha um colega que era "professor de jogos", ficou espantadíssimo e o questionou, como era isso possível, existir um emprego em que se pagava para jogar jogos!? A grande questão aqui subjacente, é que a sociedade olha para os videojogos, assim como para a BD, como meios de comunicação infantis. Formas de expressão que podem apenas servir pessoas em crescimento intelectual, ou seja crianças que estão a aprender a lidar com o mundo. No caso dos videojogos, por causa do seu lado mais relacionado com o jogo e o brincar, do lado da BD por causa do seu lado mais relacionado com a fantasia e os super-heróis.

Talvez por isso não seja estranho continuar a ver pais a adquirir jogos M18, para crianças de 10 anos, porque lá no fundo é isto em que a sociedade acredita. Um videojogo não é, nem pode ser coisa de adulto. Um videojogo é algo fantasioso, distante da realidade que preocupa os adultos, serve para jogar e brincar nada demais. E isso é o que se faz nos tempos livres, não entra no reino da seriedade, da conversa entre adultos, nem entre colegas de trabalho, e menos ainda com o patrão, ou alguém respeitável na hierarquia comunitária.

Todas estas constatações só vêm dar mais força a eventos como o IberAnime, o GameOn ou a ComicCon. Porque são estes eventos públicos que mais podem contribuir para a normalização e aceitação nos padrões culturais gerais destes novos meios. Os videojogos enquanto meio, são ainda muito recentes, e por isso vivemos num tempo em que o meio ainda não é entendido separadamente da sua capacidade para expressar as mais diversas ideias. Existem estereótipos feitos, construídos em tempos de narrativas únicas, que só o tempo e uma continuada discussão pública, poderá contribuir para dissipar.

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.
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