Se clicares num link e fizeres uma compra, poderemos receber uma pequena comissão. Lê a nossa política editorial.

Cyber-Lip, o primeiro "run'n gun" da Neo Geo AES

Os androids revoltam-se contra os criadores.

Em 1990 a fabricante japonesa SNK, sedeada em Osaka, deu início à produção arcadas e software. Num tempo marcado pela coexistência entre arcadas e plataformas domésticas, de 8 e 16 bit, a SNK conseguiu a notável proeza de colocar os jogos arcade (MVS) na plataforma doméstica, o sistema AES, conhecido entre os jogadores por ser uma espécie de Rolls Royce, tal era o preço solicitado, muito acima de uma Master System ou NES. A diferença é que os jogos (cartuchos) da AES eram muito superiores ao que era possível experimentar em consolas e computadores. Os melhores jogos arcade podiam ser experimentados na sala de estar e isso obliterava por completo qualquer outra concorrência.

Só que a juntar ao preço elevado da Neo Geo AES acrescia o avultado valor dos cartuchos, que na realidade eram autênticas placas de circuitos no interior de uma caixa de plástico. Os primeiros jogos eram relativamente modestos em capacidade, normalmente entre 30 a 60 megas, mas em pouco tempo a SNK passou a fabricar chips de maior potência e em meia dezena de anos muitos títulos ultrapassaram facilmente os 500 megas. Apesar da qualidade dos jogos, a SNK nunca vendeu em consolas domésticas os mesmos valores alcançados pela concorrência. Em parte isso explica porque os jogos SNK para a AES são hoje muito procurados e atingem facilmente valores na casa dos cinco dígitos. Mas se vendiam pouco em consolas domésticas, o sucesso das versões arcada compensava.

Os primeiros anos de produção da SNK foram relativamente modestos. A companhia começou por desenvolver alguns títulos baseados no que então era popular, seguindo os êxitos do mercado japonês, com incidência nos jogos de luta e acção. Com uma mescla de títulos diversificada (do golfe ao Mahjong), Cyber-Lip (1990) é a primeira tentativa no quadro dos jogos de acção, de capturar o modelo de combate desenvolvido pela Konami em Contra. Lançado em 1987 e dois anos depois a sequela, Contra popularizou-se pelo ritmo quase frenético da acção, disparos constantes e múltiplas explosões, inaugurando um sub-género chamado "run'n gun".

Apesar dos 50 megas, o jogo apresenta sprites razoáveis.

A série acaba por inspirar imenso os produtores de Cyber-Lip, ao mesmo tempo que a produção abre camimho a outros jogos como Metal Slug, um dos mais notáveis em termos de criatividade, arte e engenho. Quando comparado a muitos jogos de açcão 8 e 16 bit, Cyber-Lip é em muitos aspectos superior. Um jogo capaz de cenários mais trabalhados, boa fluidez e um design bastante aprazível. Seria ultrapassado posteriormente, apesar de deixar uma marca muito positiva e ter dado talvez, entre os maiores contributos, a rampa de lançamento para Metal Slug, ao ponto de muitos elementos da Nazca, o estúdio responsável pela sua produção, serem os mesmos.

Em virtude da popularidade dos jogos para dois jogadores, a SNK não descuidou e permitiu que um segundo jogador pudesse juntar-se ao combate, formando a dupla de intrépidos: Rick e Brook. A história quase que podia ter saído da pena de um John Carpenter. Em 2020 o planeta terra enfrenta o maior ataque, levado a cabo por um exército formado por máquinas criadas pelo humanos justamente para defenderem o planeta de ataques alienígenas. Mas algo corre mal, e as máquinas, chefiadas por Cyber-Lip, revoltam-se e atacam os humanos.

A partir daí é toda uma contagem decrescente até à erradicação do mal. A jornada não é particularmente longa. Fruto de um desenvolvimento um pouco limitado, a equipa de produção não teve muito tempo para desenhar níveis compridos. A estrutura é bastante simples embora ofereça algumas variantes, através de percursos alternativos e secções de progressão na vertical. Contudo, até encontrarem o "boss" não têm que avançar muito, ainda que o caminho esteja pejado de obstáculos e perigos. Considerando os créditos infinitos, podem acabar o jogo pouco tempo depois de o começarem. É assim na versão AES, mas na versão arcade terão que pagar pelos créditos adicionais. Isto não implica que não possam estabelecer um limite de 3 créditos, por exemplo, findos os quais passam para a contagem decrescente e subsequente "gameover".

Outro ponto que deixa claro as limitações é a inexistência de disparos na diagonal, uma prática em Contra mas aqui ausente e que faz toda a diferença. Desde logo porque para acertarem nos inimigos instalados no topo ou à janela de um edifício terão que posicionar a personagem por baixo, sob pena de falharem o alvo. Este movimento causa ao princípio alguma estranheza, mas rapidamente nos acostumamos à particularidade. Uma curiosidade é que depois de perdermos a vida regressamos num veículo dotado de propulsores que por instantes nos deixa sobrevoar a área e atingir melhor aqueles adversários aborrecidos.

Uma boss fight de olhos nos olhos.

De resto os comandos são muito directos, oferecendo respostas imediatas e uma comodidade assinalável, especialmente no tratamento dado aos "power ups", através de uma opção que nos permite mudar de arma dando um toque num botão, sem necessidade de pausar o jogo ou avançar para um ecrã de selecção. Algumas armas são particularmente úteis no confronto contra os "bosses", sendo conveniente guardá-las para a fase posterior. Aliás, os "bosses" formam os melhores desafios, com monstros incríveis, alguns verdadeiramente diabólicos. O mesmo não se pode dizer do exército android, com criaturas muito iguais e pouca diversidade nas animações. O melhor mesmo é vê-los desfazerem-se num pedaço de metal em líquido ou numa bola de fogo.

O design dos níveis é eficaz e bastante convincente, com algumas referências da cultura punk. A veia não vai tão longe como noutros jogos e nota-se a falta de produção. Mas se tivermos em conta os 50 megas de espaço, não deixa de ser uma apresentação assinalável, especialmente quando até à data de lançamento os jogos de acção para a AES contavam-se pelos dedos de uma mão. Em meia dúzia de anos, Cyber-Lip acabou por ser ultrapassado, mas apesar das evidentes limitações ainda é um jogo muito satisfatório e desafiante, desde que ignorem o sistema de créditos infinitos.

A SNK precisou de 3 anos até chegar a Top Hunter e 6 para chegar a Metal Slug, os primeiros grandes jogos de acção que marcaram uma geração e contribuíram para a definição do rumo da companhia nos anos seguintes. Cyber-Lip não é tão popular ou badalado como outros mas permaneceu como um desenvolvimento seguro e particularmente interessante entre os jogos de acção para consolas.

Sign in and unlock a world of features

Get access to commenting, newsletters, and more!

Related topics
Sobre o Autor
Vítor Alexandre avatar

Vítor Alexandre

Redator

Adepto de automóveis é assim por direito o nosso piloto de serviço. Mas o Vítor é outro que não falha um bom old school e é adepto ferrenho das novas produções criativas. Para além de que é corredor de Maratona. Mas não esquece os pastéis de Fão.

Comentários