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Need For Speed - Análise

Comboio da meia-noite.

Um "reboot" à série com imperfeições e ideias que ficaram por concretizar da melhor forma. Mesmo assim poderá agradar a alguns fãs.

Tendo em conta as constantes redefinições por que passou Need For Speed em mais de vinte anos, foi com moderação que acolhemos o termo "reboot", usado pela Ghost Games, quando anunciou o desenvolvimento do novo jogo. A produtora que trabalhou em Rivals e sucedeu à Criterion (embora recebendo muitos membros desta equipa que se notabilizou pelo trabalho em Burnout) quis assegurar um regresso às origens, marcado por um aprazível nível de personalização, tanto em pinturas como em peças, bem como no sistema de condução, assente em cinco estilos.

Ao mesmo tempo, fica a sensação de ir ao encontro a outros momentos marcantes: o mundo aberto em Most Wanted, as perseguições em Hot Pursuit e um certo ingresso em The Run, embora não pelas melhores razões. 2014 pôs fim a uma série de lançamentos anuais e permitiu à Ghost Games apurar as funcionalidades do jogo e mostrar um pouco mais do design Need For Speed para a nova geração, a transbordar fotorealismo. Mas até que ponto este "reboot" opera uma verdadeira transformação na série, quando dá sinais de ter revisitado praticamente todos os conceitos que a fizeram chegar até aqui?

Need for Speed foi e é uma experiência arcade pura e dura. Conviveu com Burnout, embora conheça hoje rivais de peso, como Horizon 2, o exclusivo da Turn 10 para a Xbox One e DriveClub, na PS4. O propósito nunca passou por desenvolver corridas assentes em pressupostos da simulação. Em vez disso, pretende-se que o jogador vibre com velocidades estonteantes, em pleno "street racing", com carros do quotidiano. Das mais pequenas viaturas como o Honda Civic, até aos Porsche, cuja licença a EA detém em exclusivo, o interesse passa por alterar os motores, adicionar kits de potência e queimar borracha nas estradas de uma cidade fictícia, até à exaustão.

À noite, a cidade e os carros ganham um brilho especial.

NFS sempre se pautou pelo exagero; a tendência para transformar o jogo numa espécie de Wipeout, só que com carros oficiais das marcas que se notabilizaram pela competição automóvel e por serem veículos escolhidos pelos praticantes de corridas legais. Os familiarizados neste tipo de estrutura vão encontrar mais opções, modificando os carros através de uma série de elementos como escapes curtos, spoilers maiores, rodas e jantes. O mundo das corridas ilegais é o ponto de partida deste Need For Speed. Uma espécie de praça para um conjunto de tentativas e conceitos que se conjugam dando origem ao tal "reboot". É uma rica e profunda experiência, aquela que aqui vão encontrar, embora quem tenha jogado os títulos anteriores, possa sentir que o trabalho não está completo, especialmente pelos múltiplos detalhes que no seu conjunto impedem o jogo de embalar, dando a sensação de que mais poderia ter sido realizado.

Não fossem algumas imperfeições e teríamos um jogo ainda melhor, muito mais sólido e merecedor de uma maior audiência

Não fossem algumas imperfeições e teríamos um jogo ainda melhor, muito mais sólido e merecedor de uma maior audiência. Talvez seja o reflexo das limitações de uma produção anual, pese embora o tempo extra que a Ghost Games usou para curar alguns conceitos. Ainda assim, há muitas falhas e imprecisões que persistem, principalmente o modo online, cujo funcionamento está muito longe de ser eficaz, o que para um jogo "sempre ligado" e que requer ligação à net para ser jogado, não é muito abonatório . Consciente disso, a Ghost Games tem vindo a reparar alguns dos problemas detectados aquando o lançamento, estando prevista uma actualização muito significativa para o final do mês. Talvez seja a expressão do caminho que a produtora pretende seguir para o futuro, mas por enquanto este é o jogo que temos.

Debaixo do capôt deste NFS, o que ressalta imediatamente é a existência de uma narrativa, gravada com actores reais, em pontos específicos como garagens, bares e outros locais onde os aceleras e a malta do "tunning" se junta ao fim do dia para um copo ou troca de vídeos das manobras mais arrojadas e enviadas para o You Tube, através dos telemóveis inteligentes. No entanto, a história é um balde de água fria, assente em diálogos esquecíveis e que mais parecem saídos de um "reality show". Pena o argumento ter saído neste estado. Nem a malta do "tunning" é assim tão atrasada, nem aqueles que se dedicam a cuidar dos carros, peça a peça, e que sabem como torná-los melhores, tirando proveito do seu potencial em estrada, usam expressões daquelas que encontram desde o primeiro instante. Uma oportunidade que se esfumou, infelizmente. As cenas até obedecem a uma razoável direcção e teria sido bem melhor se em lugar daquele guião infantil tivessem apostado em algo autêntico.

Ventura Bay é uma espécie de Califórnia.

Os novatos são Spike, Robin, Amy, Manu e Travis e em comum está a devoção que cada um tem pelo seu ídolo. A ligação que a EA e a Ghost Games conseguiram com o site Speedhunters permitiu-lhes recuperar algumas figuras destacadas no capítulo do "tunning" e corridas de estrada, como o japonês Akira Nakai, conhecido por viajar pelo mundo e recuperar modelos Porsche, da série 911. Magnus Walker é outro entusiasta dos 911 (cores da Martini Racing) e coleccionador dos carros da marca alemã, tenho ganho notoriedade por ser uma espécie de fora da lei, enquanto que Ken Block, que dispensa apresentações, é um dos condutores consagrados em gincanas, tendo já passado pelo WRC e outros campeonatos relevantes. Por fim, Shinishi Morohoshi, conhecido pela devoção que nutre por carros italianos, mais precisamente da marca Lamborghini e pelas modificações que lhes aplica.

No papel e na tela é neste quadro que o jogador se movimenta. Ventura Bay é uma cidade de grandes dimensões e que pode ser percorrida de uma ponta a outra seguindo diferentes direcções, como num num mundo aberto. Mas sendo nós um piloto novo entre o grupo de aspirantes aos melhores, iremos com eles participar numa série de desafios e provas, tentando surpreender e superar os respectivos ídolos. É a partir daqui que o conceito especial neste Need For Speed entra em jogo, pois as provas propostas por cada uma daquelas personagens obedecem a um tipo de condução. Manu é o sujeito dos drifts, das longas derrapagens, enquanto que no segmento de Spike desafiamos Magnus Walker. Amy priviligia a personalização e a vertente tunning. Por seu turno, Robin oferece um desafio em termos de equipa.

as provas propostas por cada uma daquelas personagens obedecem a um tipo de condução. Manu é o sujeito dos drifts, das longas derrapagens, enquanto que no segmento de Spike desafiamos o britânico Magnus Walker

A ideia é boa, com destaque para a possibilidade de experimentarmos diferentes tipos de condução, mas também de provas, promovendo uma rotatividade salutar, sem nunca repetirmos exercícios similares. No entanto há desde logo um excesso de comunicação e contactos destas personagens. As mesmas ligam constantemente para o nosso telemóvel (o aparelho que nos deixa receber mensagens, falar com outras personagens, regressar à garagem), produzindo um barulho incómodo e a dada altura quase insuportável. Também não se percebe porque, uma vez fora do jogo, no regresso somos incomodados com as mesmas chamadas do último desafio que concluímos com aquela personagem. Não há necessidade de tão grande intrusão. Com um acesso simples ao mapa e contactos das personagens teria sido mais simples estabelecer a comunicação só uma vez e deixar depois ao critério do jogador continuar a fazer mais desafios para aquela personagem. Algumas cinematográficas são apresentadas ao fim de duas ou três provas, criando um sentimento de evolução da narrativa. Infelizmente aproveita-se pouco do guião e na prática só notámos uma mudança ao nível da dificuldade. Enquanto que as primeiras provas são simples e podem ser concluídas sem grandes alterações no carro, a partir da dificuldade elevada terão que adicionar componentes e cumprir pressupostos mais apertados, como bater um certo tempo mas com um carro que não ultrapasse os 250 cavalos.

Magnus Walker em fuga.

No meio de tantas solicitações e desafios, para aceder a todos, temos que levar o carro à garagem, onde podemos modificar a afinação. Esta pende para dois sentidos: drift ou aderência. O acerto é bastante simples e está resumido a uma série de parâmetros como pressão nos pneus, controlo de tracção, entre outros. Em função dos desafios iremos descobrir qual o melhor acerto. Para garantir mais velocidade e estabilidade em curva teremos de afinar o carro nesse sentido, enquanto que para ganhar pontos com drift, o acerto terá de cumprir o oposto. Noutros desafios teremos que personalizar o carro, usando kits e pinturas, para uma melhor pontuação e superação da prova. Teria sido mais simples executar estas mudanças manualmente sem a ida à garagem, cuja entrada e saída implica morosos loadings.

Nestas provas o objectivo passa por não só cumprir o desafio proposto como obter uma boa pontuação em termos de reputação. A pontuação final (Rep) é o somatório das diferentes características de condução e da nossa performance tendo em conta o estilo de condução executado. Curioso verificar o nosso quadro de progressão e perceber qual o estilo com que mais nos identificámos (no nosso caso a velocidade é rainha). A reputação permite-nos subir de nível e ter acesso a mais peças. Muitas foram desenvolvidas por reputadas marcas tunning como a RAUH ou RTR Mustang. No final obtemos créditos, destinados para a compra dos veículos. Pena que a inteligência artificial não se encontre ao melhor nível, produzindo algumas irregularidades como velocidades inconstantes.

A condução é apaixonante, qualquer que seja o estilo. Perigosa, rápida e ajustada, deixa-nos brincar nas curvas mais fechadas, através de deliciosos drifts controlados manualmente ou então permite uma aderência superior visando mais velocidade e um tempo mais rápido até à chegada à meta. Interessantes aquelas provas que constituem um misto de ambos os estilos, nas quais precisamos de um carro capaz de deslizar mas suficientemente rápido para sair depressa das curvas. Não é muito sentida a falta da caixa manual. O botão destinado ao travão de mão faz maravilhas para deixar o carro na posição adequada antes do deslize. Depois é só dosear com o acelerador e manípulo (analógico). Quando equipado, o nitro permite uma velocidade extra durante breves instantes. Qualquer que seja o tipo de condução, o feedback é muito positivo e lembra-nos o melhor da Criterion e de como a Ghost Games consegue providenciar uma condução arcade algo ambivalente, capaz de nos deixar tensos quando temos de executar provas do tipo gincana.

A condução é apaixonante, qualquer que seja o estilo

Mais uma noite, mais um depósito atestado.

A lista de veículos é significativa mas podia ser melhor e até contemplar mais marcas. Faltam claramente mais super desportivos. Na Porsche é difícil de aceitar a ausência do belo 918 Spyder. Ainda assim, terão à disposição muitos dos carros mais rápidos do planeta e também fica interessante escolher um carro barato e pô-lo num nível de performance compatível com os mais rápidos. Porém, a garagem é muito apertada e só vos dá espaço para cinco carros. Se quiserem mais veículos terão que os vender. Uma decisão estranha, especialmente porque não são carros fáceis de conseguir e ainda há muito dinheiro envolvido na personalização.

O grau de modificação dos veículos é bastante completo. Podem mudar o formato das ópticas, pára-choques, pneus, jantes, capôt, etc. Os parâmetros são muitos. Infelizmente, não podem mudar o aspecto de todos os carros. Muitos deles, entre os quais os grandes super desportivos, não são compatíveis com a funcionalidade, o que é de certa maneira uma desilusão, já que o aspecto dos carros depois do "tunning" até é interessante. Imaginem que compram um carro pensando que o podem modificar e depois verificam que tal não é possível e que os únicos parâmetros editáveis correspondem ao motor, pintura e afinação.

No caso da pintura, diga-se que o editor é bastante extenso e completo, mas pouco amigável para novatos. Além disso, nem sequer é dada a possibilidade de importar pinturas ou desenhos de outros utilizadores. Uma decisão um tanto ou quanto estranha, quando estamos num jogo de funcionamento online. Pena que estas constantes limitações e impedimentos retirem uma margem de progressão e quantidade de conteúdos que claramente dariam um grau de personalização maior e em conformidade com o interesse dos jogadores, algo que é quase natural em Horizon 2 ou Forza Motorsport.

Em certos locais da cidade podem esmerar-se na obtenção de uma boa fotografia.

Por outro lado, a cidade Ventura Bay não pode deixar de ser valorizada no que toca à sua dimensão. A possibilidade de a explorarmos livremente equivale a um método mais interessante que obedecer a uma grelha de desafios. Porém, não existem grandes motivos que nos façam optar por um passeio em vez da viagem automática até ao ponto onde está instalado o desafio. O jogo oferece alguns incentivos como a realização de "donuts" (piões num sítio mencionado), fotografias, vistas e recolha de peças exclusivas de outros veículos. No entanto é uma cidade com pouca vida, algo vazia e com poucos veículos em marcha.

Alguns utilizadores poderão questionar a excessiva permanência da noite e chuva, aqui e acolá dando lugar a alguma claridade, nuvens abertas e sem precipitação, mas nunca com sol e sem qualquer dinâmica. Os efeitos da chuva e as múltiplas gotas sobre o bólide, escorrendo pela pintura brilhante conferem um design impecável, especialmente através das poças, emitindo reflexos. Verifica-se também um certo granulado, quase de película cinematográfica. Trata-se de uma decisão de design acertada, adequada ao espírito e tipologia das provas, mas teria sido mais interessante ir um pouco mais longe e levar mais alguma luz do dia a Ventura Bay. Os carros apresentam-se bastante detalhados, quase fotorealistas e os efeitos do "tunning" convencem, algo bem destacado quando obtemos uma fotografia.

Ver no Youtube

O modo online tira partido da ligação permanente à rede para introduzir no nosso mapa mais sete jogadores (também podemos criar a nossa equipa juntando os amigos que se encontrem ligados). A integração nos desafios é um pouco mais complicada, já que requer que lhes enviemos um convite para participar numa prova, enquanto aguardamos por uma resposta. Terminado o tempo para o contacto (pouco mais de uma vintena de segundos) o jogo prossegue em termos individuais. Não é fácil partilhar desafios com outros jogadores e a maior parte da vezes sujeitámo-nos a ver os indicadores dos nossos colegas no mapa.

Need For Speed tanto pode ser uma experiência capaz de produzir bons momentos como depressa chega ao oposto, gerando insatisfações e descendo uns níveis num patamar de qualidade que ficou por atingir. Fica a sensação de um abandono mais claro de algumas fundações que outros estúdios criaram com alguma solidez em tempos mais recentes, apostando noutras ideias que nem sempre vão de encontro ao resultado esperado. Gostaríamos de encontrar um melhor modo online, para um jogo sempre ligado, um design mais diversificado, um sistema de "tunning mais alargado" e, já que estamos num Need for Speed com narrativa, um guião mais cuidado e melhor desenvolvido. Poderá deixar muitos jogadores satisfeitos, mas podia estar bem melhor.

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