Skip to main content
Se clicares num link e fizeres uma compra, poderemos receber uma pequena comissão. Lê a nossa política editorial.

Como se conta uma boa história num videojogo

E porque tão poucos o conseguem fazer.

Quando não conseguem chegar ao ponto sublime de utilizar mecânicas para enriquecer a narrativa, os jogos devem, pelo menos, respeitar a regra de ouro de qualquer história: "show, don't tell".

"Show; Don't tell"

"Show, don't tell"("mostra, não contes", em português) é a regra de ouro para qualquer boa história, seja em que meio for. Nenhum escritor que se preze diz "Ana estava nervosa" quando pode dizer “Ana não parava de roer as unhas”, deixando a parte do nervosismo à imaginação do leitor e sem insultar o seu intelecto. Trata-se de envolver o receptor numa história, não de preencher uma folha do IRS com tudo explícito.

Com o passar dos anos assistimos ao culminar desta tendência de excelente design que se iniciou em 2003 com Metroid Prime e se refinou no ano seguinte com Half-Life 2. Não quero dizer que jogos com boa história não existissem antes (já lá vamos) mas foi com o jogo da Valve que começou aquela que considero ser a forma ideal de se contar uma história num videojogo: sem cinemáticas, sem nunca perdermos o controlo do personagem, com a narrativa a ser exposta através de acontecimentos no mundo ou encontros com NPCs e com a backstory a ser aludida ou revelada pelo próprio ambiente.

A narrativa nunca interrompe a jogabilidade e a jogabilidade nunca impede o desvelar da narrativa. É um balanço perfeito.

Os jogos mais aplaudidos pela crítica têm seguido estas pisadas. Rapture e Columbia, de Bioshock e Bioshock Infinite, são mundos riquíssimos que são revelados de forma natural, sem interromper a experiência de jogo. O meu "mundo" favorito desta geração é a Wasteland de Fallout 3, completamente revelado através de elementos do próprio jogo como NPCs, cidades, coleccionáveis, etc.. Não são precisos longos textos ou constantes vídeos a narrar o que se passa. Tudo flui naturalmente, como na vida real, criando um ambiente tão bom que, por momentos, nos faz esquecer o mundo real.

Mesmo os jogos com escrita mínima conseguem ter um mundo riquíssimo com a narrativa a desenrolar-se apenas através do seu ambiente. Quem já jogou Dark Souls sabe bem do que falo. O jogo não tem praticamente nada para ler, ver ou ouvir; é jogar para a frente e, de vez em quando, encontrar um NPC que nos diz meia dúzia de coisas(se não nos quiser matar). Apesar do minimalismo, o mundo e história de Dark Souls são riquíssimos e cheios de pequenos pormenores. O mesmo serve para Ico e Shadow of the Colossus.

O lore de Dark Souls é desvendado aos poucos e de forma brilhante. Não são precisos grandes blocos de texto para envolver o jogador.

Exemplos extremos de "show, don't tell" são Brothers: A Tale of Two Sons e Journey, dois jogos que contam uma boa história sem que exista sequer uma única palavra para o jogador ler! É só jogar e ir desvendando o que os seus mundos nos reservam.

Recomendações

No meu último artigo falei de alguns dos jogos pior escritos que já joguei (Final Fantasy XIII e XIII-2, exemplos perfeitos de "tell, never show" com as suas data logs essenciais à história) por isso acho por bem recomendar hoje histórias de qualidade, além das que já mencionei. Muitos destes jogos não se enquadram nas linhas que há pouco mencionei mas há uma boa razão para isso: são de tempos idos e obedecem às regras de design da altura. Cá vai a lista:

Tudo do Tim Schafer: O melhor contador de histórias da indústria e um designer genial. Recomendo especialmente Monkey Island 1 e 2, Full Throttle, Grim Fandango (o meu favorito dele), Psychonauts, Brutal Legend e Costume Quest.

Conker's Bad Fur Day: Além do Tim Schafer, existe muito pouca gente nesta indústria com talento suficiente para escrever comédia. Conker's Bad Fur Day, para a Nintendo 64 e XBox, é uma risota do início ao fim.

Final Fantasy VI, VII e IX: São os títulos da série com as melhores histórias e personagens. Se conseguirem ultrapassar a barreira gráfica, têm aqui alguns dos melhores RPGs que poderão jogar.

Persona 4: O desenvolvimento de personagens deste jogo mete num bolso qualquer Final Fantasy saído nos últimos 15 anos. Muito bem escrito e cheio de carisma.

Uncharted 2: Tem personagens muito bem trabalhadas e sequências de acção jogáveis que teriam sido relagadas a cutscenes nas mãos de outro estúdio. Espero que o legado de Amy Hennig continue na Naughty Dog.

Metal Gear Solid 1 e 3: São as histórias mais “acessíveis” dentro de uma série que dá a volta ao miolo de qualquer um. Hideo Kojima é fortemente criticado pelas suas cinemáticas e acho que está na hora de ele próprio reconhecer que muitas vezes exagera.

Fahrenheit: Apesar de criticada pelos mais puristas, sou fã da forma como o David Cage conta as suas histórias. Se gostaram de Heavy Rain e Beyond: Two Souls, deem uma vista de olhos a Farenheit. Vale muito a pena.

L.A.Noire: Se gostam de narrativas à la C.S.I.(um caso por episódio), vão adorar este jogo. O grande arco da história não é nada de especial mas os diálogos e o voice acting são capazes de ser os melhores de sempre num videojogo.

Mass Effect: A história épica do/a Comandante Shepard é contada à medida de cada um. Quem quiser saber muito sobre este universo tem muito para descobrir; quem quiser apenas completar a história também o pode fazer sem nunca perder o fio à meada.

Fallout 3: Menciono-o novamente porque é, de facto, muito especial. Sempre que falo com alguém sobre Fallout 3, essa pessoa conta-me uma experiência completamente diferente da minha. Acho isso mágico e algo que só os videojogos podem proporcionar.

Grim Fandango tem um dos melhores e mais simples universos que já vi num jogo. É altamente recomendado.

A narrativa parece estar a tornar-se uma prioridade na indústria e para quem, como eu, aprecia uma boa história, isso são ótimas notícias. Ainda há um caminho muito grande a percorrer mas acredito que este meio vai ser tão bom ou melhor que os outros para contar uma boa história. Quem sabe se, nos próximos anos, não vemos guionistas de videojogos a serem tão celebrados quanto os mais famosos autores ou realizadores de Hollywood.

Já agora, qual é o jogo com a vossa história favorita?

Sign in and unlock a world of features

Get access to commenting, newsletters, and more!

Sobre o Autor
Joel Monteiro avatar

Joel Monteiro

Contributor

Amante de design de videojogos nos poucos tempos livres. Escreve quinzenalmente na Eurogamer Portugal sobre a indústria e criatividade.
Comentários