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O que define um videojogo no MoMA

Os critérios de Paola Antonelli.

Na semana passada a TED publicou a palestra que Paola Antonelli, curadora de arquitectura e design do MoMA, deu em Maio no TEDSalon NY2013, intitulada, "Why I brought Pac-Man to MoMA" [1]. Nesta palestra Antonelli explica as razões que levaram o MoMA adoptar os videojogos para a sua colecção de arte. É uma palestra que surge quase como reacção a alguns dos críticos de arte da praça pública internacional que atacaram duramente o MoMA por ter dado este passo. Ora não me interessa aqui discutir se os jogos são arte, já o discuti demasiadas vezes - [2], [3], [4] -, é assunto acabado. Aliás a própria Antonelli não procura sequer responder aos críticos, diverte-se apenas a apresentar as palavras dos críticos. O MoMA já respondeu à questão ao ter decidido acolher os videojogos, e na altura emitiu mesmo uma FAQ [5] sobre o assunto. Nesse sentido não vou aqui discutir o assunto, o que me interessa desta palestra, são os critérios definidos pelo MoMA para escolher os primeiros 40 jogos para a sua colecção.

Os critérios definidos pelo MoMa não são uma inovação no mundo da análise e estudo dos videojogos. Ao longo da história muitas abordagens têm procurado identificar as características essenciais de um videojogo, daquilo que os torna únicos e singulares. Estas definições têm sido até aqui uma preocupação do campo específico do game design, com LeBlanc a definir oito formas - Sensação, Fantasia, Narrativa, Desafio, Amizade, Descoberta, Expressão, Submissão - Jesse Schell a definir quatro categorias - Tecnologia, Estética, História, Mecânicas -, e Salen e Zimmerman a definirem três grandes conceitos - regras, jogo, e cultura. Neste sentido o relevante de perceber como é que o MoMA realizou as suas escolhas prende-se com o facto de este ter uma preocupação adicional à dos designers, e que passa pela preservação da arte e de todo o seu processo de design. Assim o que nos é diz Antonelli é que foram definidos 4 critérios para a selecção das obras: Estética, Espaço, Tempo e Comportamento.

Na Estética a preocupação vai para toda a composição visual e sonora que o jogo apresenta. Aqui o método de análise não se distancia muito do que se utiliza para avaliar o cinema, ou a pintura e o som isoladamente. Questões como coerência dos aspectos formais, capacidade expressiva visual e sonora, sintonia entre as formas e o conteúdo, inovação ou singularidade dentro do meio, etc. A estética é a primeira impressão que se retira de um jogo, e pode ser determinante para toda a experiência que se segue. No início os jogos deram pouco espaço ao desenvolvimento estético, foi preciso que a evolução tecnológica estabilizasse, para se começar a compreender a sua importância. Nos dias de hoje, são raros os jogos produzidos por uma única pessoa, porque se um jogo não pode ser criado sem uma boa programação, também não o pode sem uma boa estética. Nesse sentido acabamos por ter como indicador mínimo para uma equipa de criação de videojogos, um programador e um artista. Um exemplo disto é "Braid" (2008) inicialmente criado como prova de conceito pelo programador Jonathan Blow, este foi depois obrigado a associar-se ao ilustrador David Hellman para conseguir criar o jogo mais importante de sempre do movimento indie.

O segundo critério adoptado pelo MoMA, o Espaço, é muito menos usual nas análises enquanto critério destacado. O espaço acaba sendo muitas vezes relegado para a categoria estética, e às vezes de design mas sem grande esforço de parametrização. Aqui o MoMA decidiu destacá-lo como um elemento estruturante do discurso dos jogos. Na verdade se pararmos para pensar naquilo de que são feitos os jogos, veremos que faz todo o sentido. O espaço é central na definição do modo de jogo, da experiência, e claro da estética. Podemos ter um labirinto ("Pac-Man"), podemos ter um castelo ("Ico"), podemos ter uma cidade ("GTA"). O espaço é intrínseco ao jogo, no sentido em que ele define o formato e os limites das possibilidades das regras, da jogabilidade. Ao desenhar o espaço, estamos a desenhar o jogo, estamos a delimitar a experiência do jogador, a condicionar ou a exponenciar as acções no jogo. O espaço é aqui arquitectura, planeamento expressivo, com a vantagem de estar apenas limitado pela imaginação do seu criador, já que neste caso o espaço é virtual.

O terceiro critério, é o tempo, um critério de desenho e análise complexa no mundo dos videojogos. As outras artes onde o tempo faz sentido - cinema e música - têm tempos totalmente definidos pelo criador. Uma cena de animação num filme da Pixar tem sempre o mesmo tempo, é inalterável pelo espectador. Já o tempo num jogo dependerá muito do jogador. Da sua destreza e perspicácia para ir avançando, mas também do seu próprio ritmo, e da sua vontade. Quantos de nós já não parámos longos minutos em zonas de alguns jogos apenas a admirar a arte e o jogo em si, pura contemplação? Contudo isto não quer dizer que um jogo não tenha de ter um tempo. Que um pequeno jogo, como "The Passenger", possa durar cinco minutos, um jogo médio como "Journey" possa durar umas três horas, ou que um jogo normal de acção e aventura, como "Uncharted", possa ter entre dez e vinte horas. Por outro lado jogos com rejogabilidade infinita, possuem também os seus tempos controlados em termos de duração das experiências, seja pela duração das partidas nos jogos de desporto, seja pela imposição dos oponentes numa corrida de carros, ou num jogo de lutas. A forma como se desenha um jogo, as suas regras e obstáculos, conduzem sempre a um enquadramento temporal, que acaba pode definir o tipo de experiência que associamos a cada jogo.

Finalmente o critério do Comportamento, é aquele que a própria Antonelli considera ser o mais relevante dos quatro definidos. O comportamento é no fundo o centro nevrálgico de qualquer jogo, responsável por definir as mecânicas, as regras, os objectivos, os incentivos e as punições. A estética, o espaço e o tempo servem para definir o molde ou forma do jogo, são a sua sintaxe. Enquanto o comportamento é em si mesmo o verdadeiro conteúdo, ou semântica deste. A narrativa quando existe, revela-se nos comportamentos que o jogo adopta, naquilo que leva o jogador a sentir e a experienciar. Compreendemos a história por detrás de um jogo através daquilo que fazemos no jogo, e tudo aquilo que fazemos no jogo é controlado pelos comportamentos desse jogo. Os comportamentos reflectem a ideia ou a mensagem daquilo que o designer tem para dizer. Mais do que nos contar uma história, o jogo coloca-nos no lugar de quem faz a história acontecer. O jogador aqui não está a ler, nem a ver ou a ouvir, está a fazer, a agir sobre a própria história. Deste modo os comportamentos ao definirem o que jogador pode e não pode fazer, são responsáveis por transmitir, eles próprios, a mensagem, a história.

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.
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