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The Cave - Análise

O que acontece na gruta fica na gruta.

Ron Gilbert e os estúdios Double Fine podem ser fonte de produções de maior ou menor agrado dos jogadores. Alguns aplaudem as histórias que contam, a originalidade das personagens e as próprias mecânicas de jogo, outros simplesmente não se convencem quanto a esses argumentos e acabam por deixar fugir boas gemas. É por isso que apesar da originalidade de títulos como Brutal Legend e Psychonauts, as vendas nunca lhes fizeram justiça. E o mesmo sucedeu com Stacking, o jogo de Tim Schafer sobre as matrioscas russas. Sobre Ron Gilbert, o seu passado ainda reluz a ouro nas memórias de muitos jogadores. Maniac Mansion e Monkey Island são obras referenciais e intemporais oriundas da sua profunda e rebuscada mente.

The Cave recupera alguns dos elementos que patrocinaram as suas obras do passado e aproxima-se até dos velhos clássicos das plataformas em duas dimensões. Mas mais do que isso e talvez até mais importante, estamos aqui perante um desafio que nos dá uma ideia de visita ao interior de uma mente como a de Ron Gilbert. Ele fala-nos sobre The Cave em jeito de uma metáfora; um local profundo, vasto e misterioso, onde estão trancados os mais profundos pensamentos, segredos e desejos das personagens. No fundo, há um tom constante de critérios morais que as atinge. Como no Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, encontrámos um grupo de diferentes personagens.

Neste jogo o objectivo é vencer a gruta e esse é o desafio que se instala desde o primeiro momento, quando somos levados a escolher três personagens de sete disponíveis. Não é por acaso que existe este processo de selecção. O percurso pela Cave será significativamente diferente cada vez que avançamos para as suas profundezas com outras personagens. Não existe um critério de ligação entre elas quanto ao final, apenas diferentes percursos que nos revelam contextos e desafios apropriados. Este modelo de gestão de progressão não é propriamente inovador. Nele encontramos sobretudo um ampliar dos jogos em cooperação, pois estas personagens terão de unir esforços para evitarem o encarceramento. Mas tendo presente estruturas e mecânicas como Metroid ou Castlevania, sabemos de antemão que iremos ter à nossa frente muito back tracking, com tudo o que isso implica de positivo e negativo.

Na posse das três personagens, depressa o jogador descobre que The Cave é uma gruta vastíssima e profunda, composta por diferentes áreas que se ligam entre si. Mas em vez de se unirem umas às outras para serem reveladas num único mapa (que não existe), o jogador vai encontrar indicações para a área seguinte e só resolvendo todos os seus puzzles, mistérios, problemas e reunindo as três personagens no ponto de chegada é que poderá prosseguir para a fase seguinte, e assim sucessivamente, até ao final.

A perspectiva do jogo em duas dimensões traz-nos à memoria os clássicos dos jogos de acção e plataformas. Mas enquanto que a última é um meio que assegura a progressão, já a acção foi inteiramente substituída por puzzles, que constituem o grosso do jogo. As personagens não possuem pistolas, granadas ou espadas (haverá um cavaleiro que terá uma em mãos, mas não fará sangrar ninguém, pelo menos através dos moldes habituais). Antes possuem uma habilidade representativa da sua vocação. Só para citar alguns exemplos, temos uma cientista que é hábil com cálculos, computadores e tecnologia, e temos uma exploradora que se serve de uma corda com gancho para saltar longas distâncias e atingir plataformas distantes.

Estas personagens chegam à gruta com motivações pessoais distintas. Desfiadas em termos de imagem e comportamento, só ficámos com uma real percepção da sua dimensão depois de as mergulharmos no desafio. Mais sobre cada uma destas personagens é revelado através de inscrições alusivas a cada personagem e que podem ser activadas a qualquer momento. Coleccionar estes quadros representativos implica bastante exploração. É por isso que este jogo se torna eficaz desse ponto de vista, da articulação que consegue entre puzzles, história e exploração. Elementos que se cruzam com harmonia, fazendo de The Cave uma obra especialmente tentadora.

A voz do narrador é a voz da gruta, que em tom jocoso e irónico, parece querer condenar as personagens escolhidas a um trágico mas escolhido destino. As personagens escolhidas não falam, somente se manifestam através de alguns gestos. Pelo meio vamos encontrar personagens que se cruzam com o nosso caminho, embora não proporcionem grande significado. Mais relevantes são as associações a personagens, objectos e outros factos oriundos das produções de Ron Gilbert, particularmente de Monkey Island, como a Grog e o pirata LeChuck. Se forem fãs destas aventuras, vão ficar deliciados com algumas recuperações aqui existentes. Depois, não nos podemos esquecer que The Cave possui um tom sombrio e de comédia negra que vão de encontro à intenção do autor em distinguir o jogo em termos narrativos.

The Cave não podia ser uma obra minimamente bem sucedida sem possuir um desafio. Esse desafio parece até demasiado simples no começo, mas não se deixem enganar. Depois das primeiras áreas, a dificuldade cresce e aquela gruta pode levar alguns ao desespero, pelo menos se a abordagem aos puzzles se fizer com ligeireza.

O que diferencia este jogo de outros títulos de plataformas em 2D é a inexistência de níveis. O que existe são diferentes segmentos e contextos de puzzles que as três personagens terão de atravessar, colaborando entre si, sendo que às áreas gerais acrescem áreas criadas especialmente para cada uma das sete personagens. Isto quer dizer que, no final, descontando as partes comuns, terão sete áreas para explorar, o que significa que se quiserem completar o jogo na sua totalidade terão de formar grupos com todas as personagens.

A interacção entre as personagens é vital para a resolução dos problemas. Podendo a qualquer momento seleccionar uma das três, o ponto interessante da jogabilidade está na articulação de tarefas. Em termos muito sintéticos, isto quer dizer que podemos colocar uma personagem a activar uma alavanca que faz subir um elevador, enquanto que a outra colocada sobre o elevador acede à plataforma superior e empurra uma pedra para que a outra personagem possa subir. No fundo isto é um jogo de cooperação entre três personagens, mas sob a direcção de um único jogador.

A manipulação de objectos é fulcral. As personagens podem segurar as mais variadas peças, podendo combiná-las e usá-las para fins específicos. No início, parte dos puzzles resolve-se com ligeireza e simplicidade, mas não tarda até que as personagens se esbarrem perante bloqueios que exigem um apurar dos sentidos e uma interpretação refinada das pistas fornecidas. Existem alguns puzzles mais conhecidos, como os que fazem apelo à memoria e posicionamento, mas de um modo geral estamos perante problemas bastante inventivos e apelativos.

Existe, porém, uma dificuldade acrescida em todo este processo. A dado momento, o jogador descobre que numa secção da gruta, as personagens tenham de se afastar entre si, para que, por exemplo, uma fique num ponto para activar um mecanismo ou recolher um objecto e outra tenha de ir até um ponto mais avançado para reproduzir outro movimento. Por vezes há uma sensação de total desorientação, até porque as pistas se multiplicam e se dispersam pelas áreas, criando grande dificuldade ao jogador que se vê forçado a manipular demasiado as personagens. Para piorar, alguns mecanismos só podem ser despoletados através de personagens específicas, o que significa que se lá chegarem com um elemento errado da equipa, têm de ir buscar o outro e voltar a fazer todo o mesmo percurso.

Nesta permanente exploração, as personagens nunca perdem a vida, nem existe um voltar ao início do nível. Nos momentos de maior aflição, como acontece quando as personagens forem mordidas por uma criatura das grutas ou caírem de um ponto elevado, o pior que lhes acontece é continuarem a jogar imediatamente a partir do ponto onde se encontravam antes do desfecho trágico.

Este sistema é apelativo e funciona bem, mas também implica bastante paciência da parte do jogador, pondo as personagens em permanentes ligações entre espaços por vezes distantes, num processo de tentativa e erro constante que pode tornar-se frustrante para quem gosta de avançar pela campanha a toda a velocidade. Contudo, o belo design do jogo, reforçado pelas temáticas e enquadramentos adaptados às personagens, criam um efeito agradável à vista. O efeito "eureca" também promove uma autêntica satisfação e é naquele preciso momento em que a porta se abre, ao fim de minutos que parecem eternidades, que ganhamos mais uma dose de confiança para fugir da gruta.

The Cave não é a melhor obra de Ron Gilbert, mas assinala o seu regresso à boa forma. Mais do que um point'n click e de quadros mais ou menos estáticos, estamos diante de um jogo de plataformas com puzzles, que mesmo não sendo sofisticado, revela estruturas altamente engenhosas e problemas para os quais se pede lucidez e acutilância mental. A narrativa nunca chega a desenvolver tanto como queríamos e a resposta dada a cada uma das personagens, uma vez completo o seu périplo poderá ficar um pouco aquém do esperado. Porém, o tom de comédia negra, as referencias aos clássicos do autor e as tiradas corrosivas do narrador, quanto mais não seja, acentuam a originalidade da obra e fazem desta gruta um espaço a explorar.

8 / 10

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The Cave

iOS, PS3, Xbox 360, Nintendo Wii U, PC

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Sobre o Autor
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Vítor Alexandre

Redator

Adepto de automóveis é assim por direito o nosso piloto de serviço. Mas o Vítor é outro que não falha um bom old school e é adepto ferrenho das novas produções criativas. Para além de que é corredor de Maratona. Mas não esquece os pastéis de Fão.
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