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Spoilers

E o lado bom de "rejogar" clássicos.

O termo "spoiler" apareceu na gíria da crítica de cinema e dos videojogos com o aparecimento da internet. No mundo do cinema existe muita discussão à volta deste assunto, e no dos videojogos não é diferente, vejam-se vários artigos online que se dispõem a revelar os finais de vários jogos [1]. Não que anteriormente ao aparecimento da internet não existissem preocupações com esta mesma questão, a diferença é que antes do aparecimento desta, a informação circulava muito mais lentamente. Ainda assim podemos encontrar exemplos desta preocupação em campanhas como a do lançamento do filme "Psycho" (1960) de Hitchcock, em que era dito às pessoas - "Depois de ver Psycho. Não revele o final. É o único que nós temos" [2]. Ou seja a discussão sobre a revelação ou não de elementos que permitam descortinar o enredo de um filme, livro ou jogo são antigas e continuam a preocupar muitas pessoas.

Aliás nos videojogos temos um problema de "spoiling" adicional face ao cinema e literatura, que passa pelas soluções para ultrapassar obstáculos, resolver puzzles, ou atravessar zonas labirínticas. Quando jogamos retiramos imenso prazer de conseguirmos encontrar a solução para sair de uma determinada sala, ou para cumprir uma missão. Todos sabemos a diferença de recompensa psicológica que obtemos entre tentar, tentar e voltar a tentar até conseguir ultrapassar um obstáculo, ou simplesmente ir à internet buscar a solução num qualquer "walkthrough". Conseguimos passar mas não sentimos o mesmo prazer que se tivéssemos sido nós a descobrir sozinhos como passar. Logo, saber de antemão a solução para um puzzle pode ser em si uma espécie de "spoiler".

A importância atribuída a este assunto dos "spoilers" é de tal forma vigorosa que dois investigadores, Jonathan Leavitt e Nicholas Christenfeld resolveram realizar um estudo à volta do real efeito dos spoilers. E os resultados do estudo, "Story Spoilers Don't Spoil Stories", publicado na Psychological Science [3], não podiam deixar de ser mais surpreendentes. Estes concluíram que não só os spoilers não estragavam a apreciação da ficção, como as pessoas confidenciaram ter gostado mais das histórias em que conheciam previamente o seu final. Apesar de surpreendentes, não posso dizer que fique totalmente surpreso com estes resultados. Antes de explicar porquê, deixem-me contextualizar um pouco mais.

Esta semana comprei na PSN o conjunto "The Ico & Shadow of the Colossus Collection" (2011) e passei algumas horas jogar novamente "Ico" (2002). É um jogo que conheço bem porque o joguei pouco depois de ter saído e finalizei-o, e entretanto voltei a jogar várias partes específicas para estudos que tenho feito. Mas já não realizava a experiência de começar desde o início e seguir o jogo todo como se fosse uma primeira vez, há algum tempo. Dei comigo totalmente imerso no jogo. E é verdade que enquanto jogava ia-me recordando de cada zona, de cada truque, técnica, ou resposta mas estranhamente isso não me deixava menos satisfeito com o jogo. Antes pelo contrário sentia-me como se estivesse "a jogar em casa", e em pleno domínio da experiência, e isso de alguma forma estava a contribuir para melhorar o prazer da minha reexperiência de "Ico".

Ora é exatamente esta resposta que Jonathan Leavitt e Nicholas Christenfeld nos dão na interpretação dos resultados do seu estudo. Utilizam os conceitos de "fluência conceptual" e da "discrepância de esquemas", que no fundo não são mais do que conceitos detalhados da ideia de familiaridade para explicar a razão de preferirmos saber ao que vamos. Isto é, a familiaridade em modo lato é algo que todos nós vamos construindo sobre o mundo que nos rodeia, e que desenvolve em nós respostas emocionais positivas quando encontramos coisas que nos são familiares, de que gostámos anteriormente. Ou seja quando ouvimos uma música com uma sonoridade familiar, parecida com alguma outra que gostámos no passado, é-nos mais fácil encaixar no ritmo e começar logo a gostar da mesma, do que quando esta é totalmente diferente de tudo o que conhecemos. Deste modo o que estes investigadores nos estão a dizer é que o "spoiler" não estraga a experiência do filme nem do jogo, antes pelo contrário este contribui para aumentar a nossa proximidade com o assunto do filme, e assim envolver-nos mais e de uma forma positiva.

Por outro lado isto explica também a razão pela qual a Sony (e não só) começou a invadir o mercado PS3 com jogos Clássicos, usando como factor de venda a conversão para HD. A questão relevante não é o HD, a grande questão é que nós retiramos prazer de voltar a jogar jogos que jogámos anteriormente e gostámos. Aquela ideia de que um jogo de aventura gráfica, ou de ação/aventura não tem valor de rejogabilidade, não faz qualquer sentido. É claro que não é uma rejogabilidade do tipo "Tetris" (1984) ou "Super Hexagon" (2012), em que rejogo o mesmo jogo centenas de vezes, preciso de algum tempo de intervalo. Mas também preciso desse intervalo nos jogos de grande rejogabilidade, porque atingimos pontos de saturação e precisamos de realizar pausas, voltando aos mesmos apenas ao fim de um determinado tempo de distanciamento.

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.
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