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Reconhecimento do Talento Expressivo

Mais uma discussão sobre a arte dos videojogos.

Ekow Eshun foi Director Artístico do Instituto de Arte Contemporânea de Londres e colaborador do programa sobre arte da BBC 2, Newsnight Review. Na semana passada os nossos colegas da Eurogamer.net davam conta que num programa da BBC Radio 4, este teria dito, a propósito de Minecraft, que este videojogo não era arte. E foi mais longe, para Eshun "os videojogos são entretenimento... a maior parte das coisas de que gostamos na vida são entretenimento. Muitos livros, muitos shows de TV, muitos filmes não são arte... a arte são coisas que nos permitem realizar questões profundas sobre quem somos, como vivemos, e sobre o estado do mundo." [1]

Ora nada disto é novidade, no ano passado assistimos a esta mesma discussão a propósito de Roger Ebert e o seu texto "Os videojogos nunca poderão ser Arte" [2], o texto pelo qual viria mais tarde a fazer um enorme e sentido pedido de desculpas [3], assumindo que errou ao tentar categorizar os jogos de um ponto de vista meramente teórico. Então porque é que de tempos a tempos aparecem estas discussões nos media?

A razão mais evidente é a ausência de conhecimento da arte dos videojogos, das suas formas de expressão e comunicação, à mistura com uma incapacidade de compreender os artefactos na sua especificidade. Existe uma natural frustração que emerge com a falta de literacia para lidar com o campo das novas tecnologias de comunicação, do qual os videojogos fazem parte. Isto porque analisar videojogos, fazendo uso de trailers, imagens ou textos é o mesmo que analisar um filme ou quadro vendo fotografias, ou analisar um livro lendo o texto da contracapa. Em termos de experiência artística, a essência estética dos videojogos que se define pela interatividade, não é transponível para nenhum outro media seja vídeo, imagem, som ou texto. A única forma de experienciar a arte de um jogo, é interagindo diretamente com o artefacto, ou seja jogando.

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Mas o problema desta discussão não se fica por aqui, existe nestas pessoas ligadas ao mundo da arte institucional a ideia de que a arte é um território só alcançável para alguns. A arte seria a fronteira que permite definir o que é boa e má cultura. Deste modo obrigam-se a um discurso delimitador baseado em parâmetros puramente artificiais e subjetivos que definem o que é e o que não é, o que pertence e o que não pertence. De um ponto de vista histórico esta ideia de que a arte só pode ser produzida e compreendida por um restrito grupo de iluminados, com uma sensibilidade especial, aparece só a partir do Séc. XVII. Até aí o conceito de arte vivia a par com o conceito de ofício. O artista e o artesão não eram diferentes. O que se seguiu foi o menosprezo pelo artesão e a elevação do estatuto do artista com base em preceitos puramente artificiais e subjetivos assentes em comités guardiões do valor da Arte.

Ora nada pode ser mais errado, porque artificial e totalmente em oposição ao que o conceito de arte define. A arte nasce da necessidade de expressão e comunicação humanas e por isso o seu resultado material não é mais do que a exteriorização e partilha da imaginação individual com os demais. O ser melhor ou pior arte pode ser depois então elaborado sob parâmetros próprios partilhados por determinadas comunidades, consoante as necessidades subjetivas do grupo e em função das propriedades do meio expressivo em questão. Mas a arte é um resultado expressivo do ser humano, que pode ser melhor para uns, pior para outros, sublime para uns, uma porcaria para outros, mas não deixa de ser arte.

Assim tudo isto o que nos diz, é que é irrelevante o que um grupo de pessoas exterior ao campo, sejam peritos em arte ou outra coisa qualquer, reconheçam valor artístico aos videojogos. O que é importante é que quem os faz, e que quem os joga, os reconheça como arte. E como é que isso é feito? Muito simples, através da emoção e admiração gerada na comunidade que suporta a arte em questão. Quando um grupo de designers de jogos admira o trabalho de um colega, votando o mesmo para melhor trabalho num qualquer concurso. Ou quando os jogadores reconhecem que os jogos estimularam neles determinados níveis de emoção, suscetíveis de admiração da obra, levando-os a estarem dispostos a jogar novas obras daquela mesma pessoa ou grupo de pessoas.

"Analisar videojogos, fazendo uso de trailers, imagens ou textos é o mesmo que analisar um filme ou quadro vendo fotografias."

O reconhecimento e a admiração são produzidos como? São produzidos seguindo os tais parâmetros de avaliação da arte que só os grupos que se envolvem na arte em questão podem deter. Ou seja, a admiração e respeito produz-se através do reconhecimento do talento e perícia das capacidades individuais para se expressar fazendo uso dessa arte. E cada arte possui formas distintas para essa expressão. No caso dos videojogos algumas das componentes em análise pela comunidade passam pela criação de formas de gameplay inovadoras, pela introdução de níveis de interatividade em áreas de jogo até então consideradas muito difíceis, ou pela mistura de diferentes géneros de jogo, ou ainda pela subversão das convenções de receção entre muitos outros parâmetros que permitem à comunidade ganhar uma noção de valor, e assim construir uma escala hierárquica que define para essa comunidade o que é bom e o que é mau.

No fundo, a arte está longe de se limitar à Pintura, Poesia, Escultura, Arquitetura, Teatro, Música, Dança ou Cinema. A arte está em constante evolução, assim como as nossas capacidades de criar, expressar e construir também estão. Hoje podemos dizer que os Videojogos são arte, assim como são os Comics, como é a Animação, o Graffiti, a Ilustração, a Tipografia e outras formas que vão surgindo com as novas comunidades, e as novas tecnologias que vão abrindo novos media para a expressão humana. Para fechar aconselho vivamente que sigam a nova série web da PBS, a Off Book, que pretende "demonstrar e apresentar novas formas de arte pouco conhecidas e chegar as comunidades artísticas online" [4]. O último episódio foi dedicado exatamente aos Videojogos [5].

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.

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