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Filme Death Note da Netflix é uma interessante visão do original

É uma adaptação com grande liberdade.

Death Note de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata é uma das mais brilhantes obras da banda desenhada Japonesa, logo não é surpresa que há muito Hollywood procura adaptar a sensacional manga. Passados cerca de dez anos de tentativas, a Vertigo Entertainment finalmente conseguiu pegar nos direitos e dar-nos a sua versão sobre o marcante trabalho de Ohba e Obata, estreado em 2003. Desde logo se sabia que seria uma adaptação controversa, especialmente porque a elevada qualidade de Death Note despertou uma fervorosa paixão entre os leitores. Dificilmente respeitariam algo que desrespeitasse a sua adorada obra. No entanto, a adaptação realizada por Adam Wingard não se cinge a copiar o que existe.

A verdade é que Death Note é realmente fascinante e imaginar qualquer alteração ou má representação é mau demais. No entanto, é um risco necessário para actualizar a obra e a apresentar a novos espectadores. Esta é uma manga que agarrou os leitores pela forma como brincou com os valores morais, que nos envolve no meio de personagens inteligentes, mas sem qualquer problema em mostrar que o mundo não é preto e branco, existe um cinzento ali no meio. Histórias séries, adultas, originais e com conceitos sobrenaturais. No cento está o caderno da morte. Por mais boas que sejam as intenções, nada é tão simples quando está envolvida a palavra morte.

Outro dos grandes valores de Death Note foi a forma como retratou as investigações policiais, fazendo delas um dos seus principais elementos, e a caracterização dos personagens, especialmente do protagonista. Light é a personagem principal mas será que ele é o "bom" que tradicionalmente é colocado em primeiro plano. Esperavam-nos momentos de tensão, um constante jogo do gato e do rato que manteve os leitores sempre ansiosos por ler e descobrir mais. É um patamar de qualidade altamente difícil de igualar.

Ainda assim, depois da manga, Death Note foi adaptado para uma anime, que se encontra disponível na Netflix, tornou-se numa das mais célebres obras japonesas em todo o mundo e até foi adaptado para live-action no Japão. Agora, chegou a vez da adaptação que Hollywood procurou durante tantos anos e é preciso ter em conta que se trata de uma adaptação livre. Isto significa que a base e os conceitos nucleares permanecem, mas a equipa de produção tomou várias liberdades que podem não agradar aos mais fiéis seguidores de Death Note.

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"Existem algumas cenas de forte gore, em algumas mortes, que podem chocar alguns espectadores."

Adaptar a série de forma totalmente fiel poderia não resultar, já conhecemos a história de trás para a frente, algumas coisas provavelmente só resultariam num cenário Japonês, e provavelmente até seria embaraçoso ver ocidentais a tentar imitar comportamentos ou tiques característicos dos japoneses. Ocasionalmente nem os próprios o conseguem nas suas adaptações Live-action. Talvez isso ajude a explicar o toque "Americana" que deram a esta adaptação, onde algumas coisas até resultam, mas outras não.

A adaptação live-action da Netflix não decorre em Tóquio no Japão, decorre em Seattle nos Estados Unidos da América e isso define desde logo grande parte do filme. Light é um jovem norte americano, que frequenta o seu liceu, retratado como um génio que não consegue encontrar o seu lugar na sociedade que o envolve. É um aluno altamente inteligente mas problemático, especialmente devido à morte da sua mãe (num acidente de viação em que o culpado escapou impune), socialmente inapto e reservado. São os principais traços da sua vida que desde logo moldam a sua personalidade e a forma como vê o mundo: sem compreender a justiça dos crescidos, insatisfeito com a sua vida e com a rebeldia necessária para desejar mudar algumas coisas.

A sua "teenage angst" permanece até ao dia em que encontra Ryuk, um shinigami, que lhe dá um caderno da morte. Este caderno permite-lhe escrever o nome de qualquer pessoa e dentro de minutos morrerá. Claro que Light não resiste à tentação de o usar, mas se inicialmente o faz para melhorar a forma como se sente no mundo, rapidamente descobre em si uma vontade altruísta de ajudar o bem maior. No entanto, este "poder" incrível ameaça torná-lo numa espécie de deus e alguns não encaram isto com bons olhos. Quem traça a linha sobre quem morre ou vive? Light rapidamente se sente poderoso mas como dizia uma figura bem conhecida, com grande poder vem grande responsabilidade, e complicações.

Esta é a base de Death Note, um típico cenário norte americano com temáticas que desde muito cedo tentam desafiar o espectador a colocar-se de um lado. Será moralmente correcto entregar-se a um poder destes? Deixamos de ser assassinos se estivermos a matar criminosos? A adaptação assenta sobre as mesmas e importantes fundações da obra japonesa, apenas as adapta para um cenário Norte Americano. Existem várias alterações a personagens e a situações, mas isso fica para descobrires. Serão fundamentalmente essas alterações que vão ditar até que ponto ficas satisfeito com o que foi feito. Talvez este filme seja melhor para quem não viu o material original e não tenha uma base de constante comparação.

Algo que é feito com sucesso é a apresentação de Light como um personagem complicado. Ele não é propriamente o bom da fita, apenas mais um peão num jogo maior do que imagina, mas leva as coisas a outro nível graças ao seu intelecto. É difícil falar do filme e das possíveis fragilidades sem revelar os pontos "surpresa" nesta adaptação. Sim, todos sabemos que L é um ocidental de cor, que não encaixa no perfil do original, especialmente pelas aparências em público. Provavelmente será o personagem que vai definir a tua apreciação da adaptação. Mas existem mais elementos em que Death Note da Netflix rompe com o original e assume-se como uma mera inspiração. É o significado de adaptação livre a funcionar em pleno direito.

É este misto de momentos recriados fielmente com a liberdade da equipa de produção que cria uma perspectiva interessante. A grande maioria das diferenças está relacionada com a necessidade de contar a todo um novo grupo de espectadores uma sobrenatural história Japonesa com mais de dez anos. O mundo mudou, existem novas formas de interagir com a sociedade, mas a premissa de Death Note é intemporal. Até que ponto somos inocentes se estivermos a cometer crimes em nome do bem? Não é propriamente a ocidentalização da obra que me incomodou, a curiosidade em ver o filme até veio disso mesmo, do desafio relacionado com essa tarefa.

É o ritmo do filme e a obrigatoriedade em condensar toda a obra em menos de duas horas que me deixou insatisfeito. O filme tem bons momentos, alguns claramente a pensar numa maior audiência com terá várias perguntas na sua mente ao longo do filme. Com a excepção de L, acredito que é uma forma muito válida de apresentar Death Note a uma nova geração e a espectadores que jamais iriam assistir a esta obra. Talvez até os incentive a procurar o material original. No entanto, a necessidade de abordar diversos conceitos ou situações, caracterizar e aprofundar personagens, adaptar situações memoráveis e ainda convertê-las para um formato que melhor se identifica com os ocidentais, poderá ter sido um desafio muito maior do que a equipa de produção esperava.

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"Condensar Death Note em menos de 2 horas exigiu alguns sacrifícios na adaptação."

Isto traduz-se em algumas personagens que nem sequer aparecem, outras que foram totalmente mudadas e, talvez mais importante, momentos apressados. Algumas personagens nem sequer recebem a devida introdução ou expiração mas é compreensível num filme que dura menos de duas horas. Fica ainda uma referência para a banda sonora, que poderá surpreender alguns espectadores. Ao invés de apostar em temas unicamente originais, Atticus Ross (membro dos Nine Inch Nails) e o seu irmão Leopold Ross, foram ao baú buscar temas memoráveis para dar charme e personalidade à vida de um adolescente Norte Americano que ainda enfrenta os anos mais intensos do liceu. Em vários momentos sentirás que é a música a verdadeira protagonista.

No geral, o filme Death Note parece cumprir em pleno com o seu propósito: adaptar uma obra japonesa para uma nova geração e para um público totalmente diferente, algo muito importante a ter em conta. Provavelmente sabiam que os fãs dificilmente ficariam convencidos mas arriscaram na mesma. Se ainda não conheces Death Note, talvez possas assistir e imaginar o engenho da obra japonesa (para depois perseguir o material original), se fores fã tenta ter uma mente aberta e encarar as mudanças como um resultado de uma adaptação livre.

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