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Rain - Análise

O brilho da lua numa noite chuvosa.

Rain é o mais recente exclusivo da SCE Japan, distribuído em formato digital, e prova na perfeição porque me tornei num dedicado fã dos produtos do Japan Studio da Sony. Têm todos os seus regulares condimentos: é tocante, é profundo, tem mecânicas de jogo inovadoras, ou inéditas pelo menos, tenta contar algo diferente e tenta fugir aos padrões tradicionais desta indústria. Produtos carregados de personalidade, distinção e de uma abordagem fundamentalmente diferente que pretendem incutir inovação. Por outro lado, são também produtos que tendem a ficar aquém do seu verdadeiro potencial e que assim que é aberta a porta ao jogador, o próprio consegue na sua ideia conceber diversas formas de expandir as mecânicas além das dos criadores.

Assim sendo, foi com imensa curiosidade que acompanhei esta jornada à chuva e que tentei descobrir até que ponto o Japan Studio tentou ser igual a si mas procurando erguer-se acima de si mesmo. Na verdade Rain é verdadeiramente o perfeito exemplo do talento do estúdio, capaz de criar algo original mas que acaba por sugerir que as ideias que tão engenhosamente concebeu não foram levadas até onde poderiam ter ido. Mas não se enganem, Rain é tudo aquilo que promete ser, mais um degrau de qualidade nos títulos digitais da Sony para o canto de cisne da sua PlayStation 3. Simplesmente não consegue ser mais do que é, e poderia ser muito mais.

O nome engana bem e aqui não temos chuva, temos um esplendoroso brilho que se manifesta na forma de um jogo de aventura com um tocante tema e mecânicas que apesar de parecerem tão básicas não deixam se surpreender. O "brincar" com a perspetiva de jogo e a forma como o nosso comportamento afeta o mundo que nos rodeia é algo que sempre fascinou e Rain recorre a toda uma simplicidade para contar a sua história. Esta simplicidade assume-se como o seu maior trunfo nas fases iniciais, importante para atrair o jogador e para este comunicar com o jogo, mas acaba por o trair quando o jogador já o domina e não mais é desafiado.

Depois de jogos como flOwer ou o memorável Journey, é fácil perceber que a Sony não tem medo do abstrato, do desconhecido, do inexplorado e do sensacional fervilhar que surge quando temos algo diferente. Assim se compreende que Rain tenha tanto destaque pois é realmente um título que segue nesse sentido. No entanto, está bem longe de um produto de excelência como Journey cujo abstrato se tornava em algo coerente e tocante para que o jogador se sentisse vanglorioso, Rain não o consegue. O principal de problema de Rain não é de forma alguma fazer algo de mal, simplesmente é não fazer melhor o que faz e não o dinamizar.

Rain conta a jornada de duas crianças que se vêem sozinhas e perdidas na noite de uma cidade na qual a chuva parece ser eterna. Sozinhos não é propriamente o termo mais correto pois bem cedo descobrem que existem várias criaturas prontas para as devorar e deixar que as trevas os engula. Quando o rapaz vê a rapariga a correr para se salvar decide voltar a falar com ela e corre no seu alcance. Esta, demasiado assustada, corre para fugir aos monstros e assim começa a nossa aventura. Vamos correr e saltar pela cidade para de desafio em desafio progredir de cenário em cenário e descobrir o segredo deste mistério.

Mistério este que se intensifica quando o rapaz percebe que, tal como a rapariga, é invisível. Somente quando é tocado pela chuva é que se torna visível e esta é a principal base da gameplay de Rain. Certamente que muitos já imaginaram como seria se fosse possível vaguear pelo nosso mundo enquanto dormimos e descobrir diversos mistérios mas quantos de nós imaginamos uma fábula na qual apenas o desconfortante toque da chuva nos permite ficar visíveis? Num mundo repleto de monstros quais são os perigos e as vantagens deste estranho fenómeno? Em Rain, os quebra-cabeças são bem simples e todos eles centrados nesta mecânica.

"O estilo visual de Rain parece querer fazer acreditar que o jogador está numa película de Frederico Fellini ou do Cinecittà."

Os monstros também ficam visíveis e invisíveis dependendo da sua exposição à chuva e apesar de grande parte desta aventura ser passada a correr (praticamente) em frente e a trepar por obstáculos, frequentemente teremos que usar a invisibilidade para passar por situações. Os monstros não nos vêem quando estamos abrigados e os desafios alternam entre a gestão adequada do timing para passar de cobertura em cobertura, ao uso de objetos no cenário para abrir caminho e criar situações específicas.

O maior encanto de Rain, e os momentos em que verdadeiramente brilha tal como a luz da lua nos céus noturnos, é quando usamos a chuva para alternar entre visível e invisível. Ver o diferente comportamento dos monstros, estudar as suas rotas e progredir furtivamente pelo seu meio são momentos tensos e que captam mesmo a atenção do jogador. No entanto, rapidamente perdem a sensação de novidade e quando queremos que o desafio seja crescente, rapidamente aprendemos que estagna e não mais seremos desafiados. Aprendemos as mecânicas de jogo em situações até então novas e que marcam mas depois passamos o resto do tempo a usar o que aprendemos em variações desses desafios.

Quando Rain parece disposto a agarrar o jogador para lhe mostrar que é simples mas que o irá desafiar de forma coerente e irreverente, decide pelo contrário e transforma-se numa experiência simplificada e de pouca variedade. Mais centrado em contar a história e com medo que o jogador não tenha capacidade para lá chegar, leva o jogador pela mão em demasia e quase que perde o interesse. Em determinado momento, comecei a sentir alguma fadiga e só mesmo a vontade de conhecer o final me motivou a pressionar o botão de correr pelo que pareceu um tempo interminável.

Ao todo o jogo apresenta oito capítulos que duram perto de 5/6 horas. Existem incentivos na forma de recordações para recolher, caso queiram jogar de novo, mas perto do capítulo cinco o jogo começa a sentir-se demasiado longo já que não mais parece querer oferecer nada de novo ao jogador. A simplicidade da experiência, a forma linear e particularmente a teimosia em não aumentar a dificuldade e aproveitar as suas mecânicas de base que tão engenhosas são para aumentar a escala, afetam Rain de forma grave. Isto contrasta duramente com toda a história, personalidade, emoção e encanto que a criatividade artística alcançou.

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Tecnicamente Rain é um jogo que não vai impressionar. É um jogo relativamente simples e mesmo estando perante um lançamento PSN fica a ideia que mais poderia ter sido feito. Apesar de servir completamente o propósito concebido no imaginário dos seus produtores e criadores, o motor gráfico revela cenários fracos mas isto não arruina a experiência. Esta debilidade técnica é contra-balançada pelo sensacional sentido artístico e estético do jogo que parece recuperar a Itália dos anos 50.

Não sei se esse foi o propósito mas pessoalmente o estilo visual de Rain parecia querer fazer acreditar que o jogador estava numa película de Frederico Fellini ou do Cinecittà. Se o jogador assim quiser imaginar quase que pode acreditar que está a deambular pelas ruas da Roma de La Dolce Vita tal é a personalidade e sentido estético que o estúdio conseguiu para o jogo. Os vários cartazes espalhados pela cidade e a constante sensação de mistério e desconhecido ajudam bastante a reforçar isto.

Um dos pontos que mais me agradou foi mesmo a banda sonora. A música clássica toma conta das vossas colunas e preencherá de forma harmoniosa os vossos sentidos consoante tentam absorver a próxima fatia desta estranha e solitária viagem pelas ruas noturnas de uma cidade Europeia. A chuva não pára e por vezes parece nem querer deixar ouvir a música mas quando todos os diferentes elementos sonoros entram em harmonia, o jogo triunfa. Algo tão simples quanto ouvir a chuva a cair, passos ligeiros em poças de água que revelam a posição do rapaz e o som vindo de um piano tornam toda aquela noite escura e hostil num ambiente reconfortante, por mais estranho que pareça.

O principal problema de Rain talvez seja mesmo a sua maior valia. Rain poderia ser melhor descrito como uma experiência, arte em formato interativo, um quadro em movimento, um filme interativo e não propriamente um videojogo. Não que não o seja, mas olhando para a experiência como um todo e pensando nas engenhosas e interessantes mecânicas de jogo e regras de gameplay que temos, não deixo de ter a sensação que preferia mais ser um espetador do que um jogador.

A sensação de uma história encantadora e tocante mostra bem o valor de Rain mas isso não apaga a sensação que existia espaço para jogar mais, jogo mais variado e para um maior aprofundar de mecânicas como o desaparecimento dos personagens à chuva, que já funciona tão bem. Após uma hora de jogo acreditamos que o ritmo é crescente e que a experiência vai evoluir e surpreender mas quando chegamos perto do final percebemos que passamos toda a experiência a repetir as mesmas ações e que os principais temas não foram explorados como deveriam.

Rain é mais uma interessante e diferente proposta dos estúdios da Sony Computer Entertainment. Não tem a mesma profundidade e alcance que Journey mas é na mesma um título bem encantador. Todos nós sonhamos em ficar perdidos nos mistérios de lugares bem conhecidos e como o nosso imaginário aliado ao desconhecido podem ser os nossos maiores amigos e inimigos. Rain explora a capacidade da simplicidade para exercitar uma narrativa de poucas palavras e muita emoção. É recomendado para os que gostam de experiências diferentes e que frequentemente procuram por arte nos videojogos.

7 / 10

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