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Rayman Legends - Análise

Rei das plataformas medievais.

Em tempos, uma escriba da nossa praça, escreveu numa crítica que "os gráficos definem o estado de espírito com que o analisamos [um jogo]", sem omitir a relevância do conteúdo e das mecânicas como outros critérios qualitativos dominantes. É verdade que os gráficos podem assumir mais ou menos preponderância no produto final de uma obra, mas independentemente do que pode ser uma direcção artística definida pela equipa de produção, há jogos que nos canalizam para as veias grandes doses de endorfina assim que começam, causando uma imediata sensação de bem estar à custa daquilo que vemos acontecer no ecrã em resposta aos nossos comandos. Ora, Rayman Legends é uma dessas experiências, um jogo que nos deixa bem dispostos, mesmo se mais à frente começa a disparar picos de dificuldade por todo o lado, testando já a nossa paciência. Mas quem não quer um jogo que faça destes condimentos o seu cartão de visita?

A partir de Rayman Origins, ficámos a saber o que gasta a casa da Ubisoft Montpellier, liderada pelo criativo Michel Ancel. Mais precisamente, descobrimos o que queria a Ubisoft fazer com a lendária personagem Rayman. E valor de design e produção artística é algo que não falta nesta sequela, o que dá desde logo uma ideia muito clara do interesse da Ubisoft em prolongar esta fase mágica, mesmo quando os indicadores e receios de uma margem de lucro comercial aquém das expectativas possam pôr em risco futuros projectos e, em última instância, a manutenção de Ancel.

Rayman Legends é um jogo ainda mais polido, refinado e avançado estéticamente por comparação com Origins. Se era legítimo pensar que em mais algum momento seria impossível superar esse jogo de plataformas em 2D de feição clássica, a tese cai por terra quando penetramos a fundo nesta deslumbrante sequela e nos deixamos surpreender pela magia que verte em cada toque no adversário, salto e queda. Qualquer processo interactivo gera uma reacção em cadeia e o mais interessante é descobrir esse funcionamento.

É um jogo mágico, maravilhoso, revelador de uma grande dedicação da equipa de produção, pois encontrar inspiração para tantos e diferentes mundos, não está ao alcance de qualquer estúdio. É como se os trabalhos em desenho subitamente ganhassem vida, com todo aquele colorido esfuziante em destaque, ao mesmo tempo que as animações das personagens, inimigos e elementos do cenário se acomodam dentro de uma sequência musical.

Rayman Legends é um jogo gordo em números (mais de 120 níveis e 40 retocados do Origins), vasto em conteúdo e diversificado em modos de jogo, com muitos desbloqueáveis. Apesar dos atrasos e sucessivos adiamentos, a questão reduz-se ao que disse Miyamoto sobre o adiamento de Ocarina of Time; um jogo adiado não é um mau jogo, agora um mau jogo se-lo-á sempre. Originalmente apontado para a Nintendo Wii U como exclusivo, a sua conversão a título de multiplataformas veio alargar a base de acesso ao jogo. A espera foi longa e muitos já o podiam ter experimentado em Novembro do ano passado e depois em Fevereiro, quando a Ubisoft adiou o jogo novamente e tornou-o multiplataformas, levando os early adopters da Wii U a lançarem um coro de protestos que motivou o estúdio a conceder mais uma demo. Porém, ao lançar o jogo numa só vez, a onda ganha mais altura e não perde força no percurso até à areia. Se a ideia da Ubisoft é rebentar em força, há que reconhecer que este tempo extra foi essencial para que a equipa de Ancel pudesse aperfeiçoar os níveis, polir ainda mais o jogo e apresentar uma versão o mais perto possível da perfeição.

Em Rayman Legends, os terríveis pesadelos que perturbaram a vida de Rayman em Origins, voltaram em força a partir das bolhas do eternamente sonolento Bubble Dreamer, causando caos e uma vaga massiva de destruição nos diversos mundos. Caberá à peculiar personagem fantasmagórica, auxiliada por um batalhão de assistentes (até quatro jogadores em modo cooperativo + 1 jogador a controlar a partir do GamePad na versão para a Wii U), repor a ordem e punir os prevaricadores. Não é uma história servida sob banquete, mas se pensarmos que este é um jogo de plataformas e cuja ênfase se põe ao nível do design, da arte, conteúdo e mecânicas, depressa percebemos porque a história ocupa uma posição lateral.

Embora haja quem ligue estes dois jogos ao género musical de plataformas, diria que só nalguns segmentos isso acontece. Níveis esses que oferecem uma visível acção musical, na qual música, jogabilidade e grafismo se entrecruzam de forma muito especial, com destaque para diferentes temas, alguns bem populares. O Rock Castle, por exemplo, é famoso pelos riffs de guitarra, que acompanham a apanha dos Lums. Perfeita sintonia entre jogabilidade e ritmo musical, é assim que chegámos ao fim de mais um mundo. Nos outros níveis, que constituem a esmagadora maioria, o trabalho é de acção e precisão, bem ao nível e às vezes muito à frente dos clássicos e mais recentes produções do género, o que vem comprovar a tese de que os jogos de plataformas com perspectiva em 2D estão muito longe de ser um género menor (comercialmente) e esgotado.

Outro ponto que pega destaque no jogo é o forte ritmo com que vai entregando ao jogador possibilidades de progressão. Ao invés de lhe fornecer um único percurso, o jogador liberta os Teensies aprisionados (há mais de 700 para resgatar do cárcere) e quantos mais trouxer para a liberdade, mais níveis abre, assim como novos mundos vão ficando disponíveis. Ao fim de pouco tempo ganham imediato acesso à quase totalidade dos mundos, podendo escolher um diferente nível, sem qualquer ordem obrigatória. A diferença entre eles é o seu grau de dificuldade

Este mede-se pelo número de caveiras colocado na frente do quadro. Uma ou duas caveiras significam dificuldade básica. Pulem para um nível de quatro ou cinco caveiras e vão suar as palmas da mão até conseguirem completar tudo a 100 por cento. E completar tudo é o sonho do jogador hardcore. Se chegar ao fim do nível pode ser visto como uma primeira abordagem, ninguém quer perder a oportunidade para alcançar o troféu de ouro, ao mesmo tempo que pode libertar 10 Teensies (por cada nível).

Para chegar ao troféu dourado é necessária uma pontuação altíssima, só possível com a recolha da quase totalidade dos Lums, especialmente na versão rosa (cujos pontos valem dois por cada um recolhido). Muitos dos Lums estão colocados em pontos de difícil acesso, requerendo perícia e perfeição de comando. Já os Teensies, oito deles encontram-se aprisionados em gaiolas colocadas em diferentes pontos do cenário, e nem sempre no trajecto mais linear. O rei e a rainha aprisionados são os mais complicados de libertar, pois encontram-se cativos em áreas secretas, cuja identificação está longe de ser um dado adquirido. Porém, é um esforço que recompensa os mais audazes.

Ao fim de umas horas de jogo, são imensos os desafios que fazem estremecer o saco de ferramentas de Rayman. Nele encontramos trevos (há um por nível) e que funcionam como raspadinhas. Se reunirmos 3 objectos, níveis Origins ou caras de criaturas, podemos ganhar o prémio respectivo. Na secção superior das opções, um ícone com um novo nível disponível provoca a tentação imediata de entrar no quadro. Em pouco tempo o conteúdo à nossa disposição aumenta exponencialmente, e aqui temos outras opções como os desafios - challenges - baseados nos níveis da campanha e que servem de teste. Todos os challenges entram para um ranking online, o qual pode ser consultado a qualquer altura, num termo de comparação com jogadores de todo o mundo. Há até um estranho mas divertido jogo de futebol chamado Kung Foot, que ascendeu à categoria dos modos principais, sobretudo pelo divertimento que causa numa competição a 4 jogadores.

Muitos dos níveis da campanha estão ligados obrigatoriamente a Murphy, uma personagem que agora desempenha um papel activo, especialmente na movimentação de certas plataformas, corte de cordas e outras opções que abrem caminho a Rayman. É precisamente neste capítulo que se opera a diferença da versão Wii U para as restantes consolas, excluindo a Vita, cuja interacção é similar. Segurando o GamePad, o jogador comanda directamente Murphy, auxiliando o colega, enquanto que nas outras consolas o processo decorre de forma automática e menos entusiasmante.

Há que reconhecer a maior eficácia destes níveis criados originalmente a pensar na Wii U. Destacados sob o ponto de vista da cooperação, proporcionam mais profundidade e uma sensação de comando segura e equilibrada, valendo a pena destacar que Murphy realiza outras acções como, por exemplo, manobrar uma gigantesca roda de madeira (recorrendo ao giroscópio montado no GamePad) com espinhos nos seu interior, devendo Rayman esquivar-se de modo a evitar a morte imediata. Como esta, vão encontrar outras mecânicas desenvolvidas a pensar unicamente no GamePad, como o dedo que passa pela base de um bolo, arrastando creme de modo a abrir caminho para um Rayman transformado numa galinha, fazer cócegas nos inimigos ou então apanhar os Lums nos níveis músicais. Há muita paródia e momentos geniais, por isso, preparem-se.

Rayman Legends é um jogo difícil na sua dificuldade máxima. A pensar nisso, a equipa acrescentou a possibilidade de recuperarem uma poção mágica nos loadings dos níveis mais exigentes ou então num ponto intermédio, antes de uma boss fight, permitindo que possam ser tocados por mais do que uma vez pelo adversário, sem que percam imediatamente a vida. Embora seja um jogo exigente, concede ao jogador a hipótese de repetir as vezes que quiser as passagens onde é vencido de forma persistente, evitando o sempre desconfortante regresso ao princípio do nível.

Os níveis são extensos e no interior de cada mundo, raramente se verificam repetições do padrão anterior. As transições entre os fundos oferecem grande espectacularidade visual, e quase sempre há aspectos que enchem o olho, como o detalhe de construções de cariz gótico e muitos pormenores que identificámos no outro lado. Há um imenso colorido, muitos contrastes e uma artwork muito dominante. O humor é constante, presente em variadíssimas situações, contribuindo definitivamente para a personalidade e exclusividade deste capítulo. O tema de fantasia medieval volta a ser recuperado, não sendo menos relevante o trabalho musical de onde se destacam composições orquestrais épicas, a juntar aos tais níveis repletos de ritmo musical.

Em termos técnicos, Rayman Legends é notável, sem que se detecte o mínimo abrandamento ou quebra de frame rate. Altamente fluido e abundante em cores, é uma fonte inesgotável de surpresas. Quando pensávamos que já tínhamos visto tudo o que havia para ver, surge mais um nível, mais uma boss fight que nos deixa a contemplar os detalhes da cena e os seus riquíssimos efeitos visuais. É verdade que Rayman Legends não reinventa as mecânicas típicas dos jogos de plataformas. Na sua base e estrutura nuclear, ainda é o produto de desenvolvimento dos clássicos que o próprio Ancel admite como influências. Porém, mesmo sem reinventar o género, é por si um excelente jogo, capaz de ser um dos melhores, senão até a melhor experiência em plataformas desta geração.

Um jogo destes é um clássico imediato, uma obra obrigatória para qualquer jogador; seja ele novato ou veterano. Este é um daqueles títulos que recebemos com prazer e acabámos com absoluta satisfação. O género das plataformas está longe de perder viabilidade. É isso que nos quer demonstrar a equipa comandada por Ancel e a Ubisoft na validade da sequela, sinal revelador de que o êxito comercial não é tudo, mesmo que tenha sido evidente a tentativa de minimizar os riscos ao proporcionar adiamentos e conversão de exclusivo Wii U em multiplataformas, embora a versão Wii U ofereça mais argumentos em termos de interactividade e seja uma espécie de edição premium. Mas, no fim, ganham todos e assim, qualquer que seja a plataforma, são poucos os jogadores que terão de ficar à porta deste maravilhoso e obrigatório núcleo de diversões. Maior que Origins, desafiante e absolutamente surpreendente em termos de arte e design, Rayman Legends justifica todos os euros dispendidos na sua aquisição.

9 / 10

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Rayman Legends

PS4, Xbox One, PS3, Xbox 360, PlayStation Vita, Nintendo Wii U, PC

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Sobre o Autor
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Vítor Alexandre

Redator

Adepto de automóveis é assim por direito o nosso piloto de serviço. Mas o Vítor é outro que não falha um bom old school e é adepto ferrenho das novas produções criativas. Para além de que é corredor de Maratona. Mas não esquece os pastéis de Fão.
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