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Bipolaridade criativa

Viver da criação de videojogos.

Adam Saltsman, criador dos conhecidos "Canabalt" (2009) e "Hundreds" (2013), assim como do motor de jogos Flixel, escreveu um artigo na Gamasutra [1] em que procura refletir e teorizar sobre os modelos criativos que tem vindo a esboçar para a criação dos seus jogos em função dos objetivos que espera alcançar com cada um. Neste sentido traça uma linha com dois extremos, colocando de um lado o "Artesanato", e do outro a "Arte". Com estas balizas, procura compreender melhor os jogos que criou no passado, mas acima de tudo procurar estabelecer padrões que lhe permitam escolher melhor os próximos projetos em que deve investir o seu tempo.

Para Saltsman, um artefacto mais dado ao "artesanato", é uma obra acessível a todos, fácil de compreender, em que os desafios mais complexos podem ser opcionais ou estarem escondidos e que garante uma experiência média a longa, ou com boa rejogabilidade. Deverá assim satisfazer uma grande massa de pessoas, apesar de ter um impacto reduzido. Aqui ele enquadra os seus jogos de maior sucesso, "Canabalt" e "Hundreds". Do outro lado, o extremo da "arte", coloca as suas obras mais pessoais, nas quais aproveita para espelhar as suas idiossincrasias, em que não se esforça por clarificar a mensagem, focando-se quase sempre sobre uma única ideia. Segundo ele, este modelo tem a vantagem de poder gerar grande impacto na audiência, apesar de esta ser bastante reduzida, quase um nicho. Os jogos que aqui usa como referencia são: "Fathom" (2009) e "Capsule" (2013).

Adam Saltsman

Saltsman não procura aqui novas definições para o que é arte ou não, diz isso mesmo no texto. Usa estes conceitos, como poderia utilizar quaisquer outros, o que lhe importa é compreender os jogos que faz, e o que consegue com estes. É um trabalho de meta-análise da sua própria produção, e que é de salutar, no sentido em que lhe permite compreender como tem evoluído enquanto criador de videojogos, e permite a quem deseja entrar neste meio, obter uma maior compreensão da área. Assim, podíamos colocar nos extremos da linha de análise dos seus jogos, por exemplo o Funcional e o Belo, ou ainda, Massas e Nichos.

O que podemos extrair desta declaração de Saltsman é que os videojogos como qualquer outra arte, possuem campos de expressão pessoal, que exprimem o íntimo do seu criador, para além dos campos amplamente reconhecidos do entretenimento de grandes audiências. Um designer de videojogos, tal como um escritor ou pintor, pode refletir sobre o que quer dizer, e sobre como o vai dizer. E no caso de Saltsman pode até retirar prazer de ambos os modelos criativos. Por um lado pode dedicar-se a criar um jogo que funcione de modo cristalino para um grande número de jogadores, que garanta os fundamentos da funcionalidade de um videojogo, através de um feedback constante e imediato, pontuado e regrado, capaz de manter qualquer jogador agarrado ao ecrã durante horas ou dias. Assim como pode dedicar-se à construção de um jogo que exprime uma ideia que o apoquenta e lhe invade os sonhos, dia após dia, que lhe toca o íntimo e exprime ideias tão pessoais que apenas quem o conhece, poderá compreender. Aqui não entram as preocupações com os outros, de estes poderem compreender, de serem capazes de jogar, de poderem obter prazer, porque o que está aqui em jogo, é o criador, pessoalmente conseguir fazer sentido das suas próprias ideias.

"Mais do que criar arte, ou qualquer outro nome pomposo que a sociedade lhe queira atribuir, quando o instinto criativo é verdadeiro e intrínseco, o que qualquer criador genuíno procura, é dar forma e sentido às suas próprias ideias."

Mais do que criar arte, ou qualquer outro nome pomposo que a sociedade lhe queira atribuir, quando o instinto criativo é verdadeiro e intrínseco, o que qualquer criador genuíno procura, é dar forma e sentido às suas próprias ideias. Porque uma coisa é ter uma ideia, esboçá-la mentalmente, algo que existe apenas num modo virtual, impalpável. Outra bem diferente, é expelir essa ideia, pô-la "cá fora". Ser capaz de colocar em ações, e chegar a um objecto final criado e acabado que exprima aquilo que era a ideia em potência no interior da sua mente.

Claro que o criador não pode viver apenas daquilo que a sua mente pretende exprimir, e ele procure compreender pessoalmente. Não apenas por questões financeiras, mas também por questões de sobrevivência emocional e cognitiva. Um criador, seja de videojogos ou qualquer outra arte, precisa de ser compreendido e incentivado. Para isso precisa também de compreender a sua audiência, precisa de se misturar com ela, saber o que ela espera de si. No fundo, qualquer criador precisa de comunicar, porque se o isolamento permite aperfeiçoar as competências, é das reações da comunidade que o criador retira a motivação para prosseguir, assim como os indicadores para os caminhos futuros a trilhar. Neste sentido, e como nos diz Saltsman, o criador precisa de ser capaz de criar jogos para si (o extremo da "arte"), e jogos para os outros (o extremo do "artesanato"). Uma bipolaridade criativa, que não deve ser vista como mera sobrevivência financeira, como ele nos diz, mas antes porque é o único caminho para se poder verdadeiramente crescer, evoluir, transformar-se e ajudar a transformar a própria arte.

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.
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