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O corpo comanda a mente

E se pudéssemos ser de novo crianças?

A equipa de Mel Slater que coordena o laboratório Experimental Virtual Environments for Neuroscience and Technology na Universidade de Barcelona publicou um estudo no mês passado relativo ao modo como a projeção do nosso corpo num ambiente virtual pode influenciar o nosso comportamento [1]. Mais concretamente, um grupo de adultos foi submetido à experimentação de um espaço virtual através de um corpo virtual de uma criança de 4 anos, enquanto outro grupo foi submetido à mesma experiência, com um corpo com aproximadamente o mesmo tamanho mas com formas adultas. Deste modo foram estudadas as reações dos sujeitos, não apenas em termos da percepção da dimensão, mas também da forma.

Este tipo de estudos não são novidade, têm sido feitos nas mas mais variadas formas e com os mais variados objectivos. Um dos estudos mais conhecidos da criação de ligação entre a mente e um corpo virtual, aparece nos trabalhos de Ramachandran a propósito dos efeitos causados por "membros fantasma". Os "membros fantasma" são partes do corpo amputadas (ex. mão, perna, braço, etc.) que apesar de não existirem fisicamente permanecem presentes na mente do sujeito amputado, podendo gerar dores, comichão, ou mal-estar. Para tratar alguns destes pacientes Ramachandran criou uma "caixa espelho" [2] que é dispositivo que produz uma imagem espelho do outro membro (o caso mais simples é o das mãos). Quando a pessoa vê através da caixa a sua mão real, invertida, e sobreposta no lugar onde deveria estar a mão que foi amputada, isso provoca alívio à pessoa. Ou seja, a ilusão visual da mão conecta-se totalmente com a imagem mental da mão. Inclusive nos estudos realizados, foi mesmo possível verificar que o cérebro despoleta comandos para essa mão virtual, apesar de conscientemente o sujeito saber que aquela mão é uma mera imagem invertida da sua outra mão.

Mel Slater, já tinha realizado outros estudos em ambientes virtuais, fazendo apenas variar o tamanho do corpo, tendo demonstrado com esses experimentos que o tamanho do corpo serve de referência para a nossa análise do mundo exterior, e que influencia as nossas percepções do espaço. Mas neste estudo agora publicado, o que está em questão já não é apenas uma lógica de tamanho, já que são utilizados dois avatares com o mesmo tamanho. O que muda é a forma dos corpos, um é de uma criança de 4 anos, o outro de um adulto (ver figura acima). Ou seja, este estudo demonstra que não estamos a apenas a ser influenciados pelo tamanho do nosso corpo virtual, mas estamos de algum modo a ser influenciados pela sua forma. Ou seja, no caso da diferenciação entre representações de idade, já não estamos a operar a um nível básico cognitivo, mas a um nível de "processos cognitivos de alto nível".

Parecido com este experimento são os estudos realizados por Nick Yee, investigador responsável por vários estudos sociais sobre "World of Warcraft", e responsável por definir o efeito Proteus [3] que nos diz que que a nossa identidade digital pode assumir novas personas, em função do tipo de corpo virtual que utilizamos no ambiente virtual. Ou seja, uma pessoa que utiliza um corpo virtual mais atrativo, pode assumir uma postura mais confiante no mundo virtual, do que aquela que normalmente assume no mundo real. O estudo tem sido amplamente citado, e foi já algumas vezes trabalhado para fins terapêuticos.

Mas o trabalho de Mel Slater é bastante mais interessante, e à partida tem potencialidades muito maiores. Porque ao contrário do efeito Proteus, em que se imagina ser uma outra pessoa, aqui o que parece estar a acontecer, é uma regressão mental, uma espécie de viagem a memórias do passado. Ou seja, uma relação muito mais próxima, com a ideia do membro amputado. À medida que vamos envelhecendo, vamos perdendo e transformando a nossa identidade. Se de algum modo o experimento de Slater vier a demonstrar que podemos estar perante um efeito capaz de estimular partes da nossa identidade de criança, esquecidas ou reprimidas, isto poderá ser muito útil no campo terapêutico, mas não só.

No imediato, é inevitável não pensar em "Among the Sleep", o survival horror do Krillbite Studio que deverá sair ainda este ano. O jogo foi financiado por fundos culturais noruegueses, e ainda por um Kickstarter que contou com o apadrinhamento de Cliff Bleszinski. No jogo vamos poder pela primeira vez experimentar o horror, a partir da perspectiva de uma criança de 2 anos, e em primeira-pessoa. A julgar por estes estudos agora revelados, as expectativas para este jogo só podem ter aumentado exponencialmente. Será "Among the Sleep" capaz de despertar as nossas memórias dos medos que sentimos em criança, e que entretanto "perdemos" no crescimento para a vida adulta?

  • [1] Domna Banakoua, Raphaela Grotena, and Mel Slater (2013), Illusory ownership of a virtual child body causes overestimation of object sizes and implicit attitude changes, in Proceedings of the National Academy of Sciences, PNAS July 15, 2013, www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1306779110
  • [2] Ramachandran, V. S. & Blakeslee, S. (1998). Phantoms in the Brain: Probing the Mysteries of the Human Mind. William Morrow & Company. ISBN 0-688-15247-3.
  • [3] Yee, N. & Bailenson, J.N. (2007). The Proteus Effect: The Effect of Transformed Self-Representation on Behavior. Human Communication Research, 33, 271-290

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.
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