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Videojogos e Brasil

O potencial da lusofonia.

A semana que passou estive no Brasil a participar no XI Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital - SBGames 2012 [1] que é o mais importante evento da América Latina na área de videojogos reunindo anualmente criadores, investigadores, professores e estudantes de universidades, laboratórios e da indústria de jogos. O SBGames é um congresso da Comissão Especial de Jogos e Entretenimento Digital da Sociedade Brasileira de Computação mas conta com o apoio das áreas académicas da Arte, Design, Comunicação e Educação assim como da indústria na figura da Abragames e do governo pelos Ministérios da Cultura, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O evento deste ano foi o maior de sempre, com quase 1500 inscritos, dos quais mais de 1200 pagantes o que torna este evento académico na área dos videojogos num dos maiores a nível internacional. Por comparação, as conferências Videojogos da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos (SPCV) conseguem em média 150 inscritos. O evento Digital Games organizado pela ECREA em Istambul em que participei há umas três semanas contou também com pouco mais de 150 inscritos. Em conjunto com a conferência académica, foi organizada uma feira de jogos com vários stands de empresas e na qual decorreu a apresentação dos mais de 170 jogos do concurso Indie Game Festival. A feira era aberta ao público de forma gratuita em certas horas, e desse modo o número de visitantes do congresso elevou-se acima dos 20 000. Para termos uma melhor noção da grandeza, o evento teve um custo aproximado de 300 mil euros.

"O consumo inevitavelmente acaba por gerar um maior interesse na criação e desenvolvimento de videojogos, assim como obriga a academia a trabalhar mais de perto o fenómeno nas várias frentes científicas."

Não é a primeira vez que participo nesta conferência, mas o que posso dizer é que de todas as vezes que ali volto sinto que as coisas mudaram, que o país se transformou, evoluiu, progrediu e nos campos das tecnologias e videojogos isso é ainda mais evidente. A classe média tem crescido imensamente de ano para ano e isso tem contribuído para que áreas como os videojogos floresçam, para que os números da pirataria desçam e o consumo aumente. O consumo inevitavelmente acaba por gerar um maior interesse na criação e desenvolvimento de videojogos, assim como obriga a academia a trabalhar mais de perto o fenómeno nas várias frentes científicas.

O Instituto de estatística do Brasil refere que 23% dos brasileiros já jogam assiduamente, atirando o número de pessoas que jogam só no Brasil para 45 milhões de pessoas, ou seja quatro vezes e meia o número total da população portuguesa. Um estudo da PricewaterhouseCoopers diz que o mercado brasileiro de videojogos movimentou cerca de 320 milhões de euros apenas em 2011 sendo já o quarto maior do mundo, perspectivando-se que cresça e atinja em 2016 a marca de 1.5 mil milhões [2]. Claro que estes números se referem a todo o consumo sem distinção para o que é produzido no Brasil e o que é importado. Nesse sentido o Fred Vasconcelos presidente da Abragames (Associação Brasileira de Jogos Digitais) refere que a indústria brasileira de desenvolvimento de videojogos terá movimentado em 2011 aproximadamente cerca de 90 milhões de euros e que está em crescimento acentuado. Deixo três exemplos recentes produzidos pela indústria brasileira: Toren [3], Turma do Chico Bento [4], e Qasir al-Wasat [5].

Apesar de todos estes números a indústria criativa brasileira não está imune a muitos dos problemas que sofre a indústria portuguesa, nomeadamente a enorme perda de talentos para o exterior, o outsourcing e as muito pequenas empresas. Muitos dos grandes artistas brasileiros e portugueses estão espalhados pelo mundo, foram obrigados a sair dos seus países em busca de melhores condições não apenas remuneratórias mas também de qualidade de vida. Por outro lado são países que acabam por ser procurados por grandes empresas internacionais com intenção de realizar outsourcing de tarefas pesadas, o que pode contribuir para a entrada de algum capital, mas contribui muito pouco para o real desenvolvimento das indústrias dos países. Finalmente as empresas por serem muito pequenas são imensamente ágeis na adaptação ao mercado, mas ao mesmo tempo tornam-se extremamente voláteis o que contribui imenso para a insegurança de quem trabalha ou procura trabalhar neste campo.

"Existe ainda um longo caminho a percorrer para podermos usufruir de todo o potencial dos videojogos tanto no Brasil como em Portugal"

Turma do Chico Bento

Neste sentido, existe ainda um longo caminho a percorrer para podermos usufruir de todo o potencial dos videojogos tanto no Brasil como em Portugal, mas estamos no caminho certo, estamos a crescer, muito mais no Brasil do que em Portugal aonde grassa a crise europeia. Julgo assim que temos muito a ganhar em procurar formas de colaboração entre ambos os países. Percebe-se muito claramente que existe uma enorme vontade de ambos os lados em fazer crescer esta área, e nesse sentido julgo que existem muitas oportunidades por explorar que podem potenciar ainda mais o crescimento no Brasil assim como evitar que o crescimento que vinha acontecendo em Portugal nos últimos anos estagne como parece estar a acontecer em 2012.

Aliás julgo que é exatamente nesse sentido que devemos ver o aparecimento do portal Brasil|Gamer a primeira versão da Eurogamer a aparecer fora da Europa e que ontem se estreou na rede [6]. Uma versão que terá aparecido impulsionada pela Eurogamer.pt e que deve ser vista como a consagração da força da nossa língua, e do poder que poderemos ter internacionalmente se trabalharmos em conjunto. Nesse sentido espero não só ver as versões da Eurogamer portuguesa e brasileira a colaborar, como espero ver empresas nacionais e brasileiras a cooperar, assim como a própria SPCV iniciou já este ano um processo de colaboração entre as associações académicas. O espaço lusófono é uma realidade com grande potencial, e em tempos de globalização a grande velocidade, cabe-nos a nós identificar as redes internas deste movimento avassalador sem regras, e trabalhar para as potenciar.

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Sobre o Autor
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Nelson Zagalo

Contributor

Nelson Zagalo é professor de media interativa na Universidade do Minho e fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos, e tem uma coluna quinzenal na Eurogamer Portugal, abordando a arte e ciência dos videojogos.

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