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Sine Mora - Análise

Definitivamente infernal.

Recentemente importei uma Sega Saturn japonesa (modelo Victor, com licença da Sega à fabricante JVC), juntamente com alguns "shooters" adaptados à board Titan (ST-V). Um ou dois não saíram do Japão. Poucos foram lançados nos Estados Unidos. Pela Europa a Saturn ainda teve os seus momentos, mas isso nunca foi suficiente para a Sega, ou outra editora, publicar por cá os tão propalados "shooters" 2D.

Reduzida ao território japonês, a Saturn foi um grande sucesso e concentrou imensas atenções durante o lançamento, um dos maiores de sempre naquele país. A partir de metade dos anos noventa e até ao encerramento da sua produção, a Saturn recebeu muitos shooters originais e conversões diretas das arcades que europeus e americanos nunca conheceram. A boa arquitetura da máquina em termos de processamento em duas dimensões (com vantagem neste campo para a Playstation, cujas versões nunca tiveram a mesma qualidade), ditou que produtoras como Cave, Atlus (Psycho) e Treasure pudessem fazer conversões muito fiéis às versões arcade.

Para os japoneses, bem acomodados a um género de trazer por casa, a Saturn era a plataforma ideal para quem não queria perder tempo nos salões de jogos. Quase 15 anos depois, membros de comunidades ocidentais fascinados pelo calor sensorial, euforia e ritmo quase psicadélico dos "shooters" , continuam a descobrir o fascínio destes jogos, vulgarmente apelidados de "bullet hell". "Bullet hell" é uma expressão também utilizada pelos japoneses para definir uma ramificação dos shooters que ficou marcada pela intensidade e número infindável de balas por ecrã. Batsugun, da Toaplan (que viria a dar lugar à Cave), é tido por muitos como o primeiro "bullet hell" lançado para as arcades e posteriormente convertido apenas para a Saturn. Nunca saiu do Japão.

"Batsu" em japonês quer dizer forte pancada. Alguém que "espanca", talvez mais forte que o "slap - that ass", mas não tão violento como levar alguém à morte através de uma técnica de espancamento. Seja qual for a intensidade, isto é muito claro sobre Batsugun, um jogo capaz de dar uma valente "carga de lenha" nas costas de quem nele se aventurar. Sendo um dos jogos japoneses que corre constantemente na minha consola importada, só posso confirmar que ainda antes de defrontarmos o primeiro boss já temos o ecrã contaminado por balas de múltiplas cores, sendo quase impossível desviarmos o aparelho manobrável para um ponto de segurança, à procura de um balão de oxigénio. As balas propagam-se como peste negra. Enchem a tela de pequenos pontos coloridos.

DonPachi e DoDonPachi começaram por dar à Cave maior visibilidade. Podemos dizer que as arcades já não terão a influência de há dez, quinze ou vinte anos, mas nos "smartphones", a produtora japonesa conseguiu encontrar um ecrã alternativo para espalhar doses cavalares de balas, tudo à distância de preciosos toques. O que é facto é que sendo os japoneses bons a lidar com matérias que lhes dizem muito, nunca esquecem como fazer grandes trabalhos. Foi por isso, com visível agrado, que me coube a tarefa de analisar este Sine Mora, oriundo da Grasshopper Manufacture - a fábrica de sonhos e pesadelos de Suda 51 -, em colaboração com o estúdio húngaro Digital Reality. Gerir este contacto bem atual, para uma consola doméstica, em simultâneo com experiências que estiveram na origem de um género, permitiu-me perceber até onde pode evoluir um género que arrancou quase perfeito. Mais do que replicar o "core" dos "shooters", chegar agora ao fim de um destes jogos é o que podemos considerar como o começo de uma grande amizade.

É certo que Sine Mora não é tão exigente como os seus antecessores. Fosse como um soco no estômago e só os mais sádicos lhe dariam uma oportunidade. Na sua dificuldade normal (assinalada como para principiantes) permite-nos ir longe graças às suas dez continuações e temos até um tutorial (dividido para principiantes e jogadores experientes) que põe muito claro o funcionamento do jogo. De resto, o conceito base é o de sempre. Controlamos uma aeronave através de vários níveis pejados de inimigos e bosses. Se nos desviarmos das balas infernais e abatermos tudo o que está pela frente, somos agraciados com power ups e pontuações altas que nos deixam cada vez mais dotados de poder ofensivo.

Shooter de scroll horizontal, a perspetiva mostra-nos um 2D e meio. É o mesmo que a Capcom fez com Street Fighter IV. Ou seja, jogamos sempre dentro das duas dimensões, mas tudo o que vemos possui uma composição tridimensional, que é bem premente quando o jogo entra pelas sequências intermédias automáticas e nos permite visualizar a profundidade e dimensão bastante generosa e detalhada dos belos cenários, num estilo artístico maioritariamente "steampunk".

Embora Sine Mora tenha como ponto de partida um "gameplay" que será reconhecido pelos jogadores versados no género, depressa revela regras especiais e elementos que conferem mais profundidade, saliência e sedução ao que estamos habituados. Não causará a mesma admiração de produções da Treasure como Silhouette Mirage ou Ikaruga, que ao bi-polarizar os ataques gerou uma agradável surpresa e um ponto de acesso mais arrojado ao furar pelas balas, mas ao transformar o tempo que nos sobra - um relógio em contagem decrescente -, num indicador de vida, isso vai obrigar a uma gestão mais estimulante dos power ups que recebemos. Mais tempo permite-nos ganhar uma especial capacidade de fogo. O jogo parece entrar num ritmo avassalador, só travado pela magnitude dos bosses emergentes. A impressão que o jogo começa por nos transmitir é de uma aparente simplicidade, mas não levará muito tempo até que comece a espancar, literalmente.